Fiz uma lista abaixo dos filmes de 2022 de que mais gostei. Alguns são do ano passado, mas foram lançados aqui no Brasil somente neste ano. Além destes, gostaria de ter visto Com amor e fúria, da Claire Denis, e Decisão de partir, do Park Chan-wook.
E, para você, quais foram os melhores do ano?
1. A inspeção
Filme do ano, “A Inspeção” não é um longa-metragem, mas um episódio da série O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro. É o primeiro trabalho de Panos Cosmatos desde Mandy (2018).
Um bilionário recluso convida quatro especialistas para inspecionar um objeto que veio do espaço.
O ambiente setentista filmado em película e a trilha de teclados analógicos de Daniel Lopatin constroem lentamente um mundo, ao mesmo tempo que o preparam para a explosão final de horror cósmico.
Eric André interpreta um produtor musical, Charlyne Yi, uma astrofísica, e Steve Agee, um escritor famoso, enquanto Peter Weller vive o bilionário recluso. Como disse o próprio diretor, lembra um episódio de Scooby-Doo.
Lovecraftiana, a série é um pouco desigual. Curiosamente, os episódios mais fracos foram diretamente adaptados de contos do escritor: “Modelo de Pickman” e “Sonhos na casa da bruxa”.
Além de “A inspeção”, destaque para “Por fora”, dirigido pela Ana Lily Amirpour.
Está na Netflix.
2. Aftersun
“Você nunca se sentiu como… acabou de ter um dia incrível e então chega em casa e se sente cansado e para baixo e… parece que seus órgãos não funcionam, eles estão apenas cansados, e tudo está cansado. Como se você estivesse afundando. Não sei, é estranho”, diz Sophie (Frankie Corio), a menina de 11 anos que passa as férias com o pai Calum (Paul Mescal).
As cenas mostram memórias felizes. Sophie relembra e começa a perceber, 20 anos depois, quem seu pai realmente era, como ele tentava esconder dela seus problemas durante as férias, para aproveitar os raros momentos em que estavam juntos.
O premiado filme de estreia de Charlotte Wells carrega um sentimento de tragédia iminente, que não se concretiza (pelo menos em tela). Mas, pelo pouco que é mostrado da vida da Sophie adulta, as memórias da viagem, capturadas numa câmera miniDV, serviram provavelmente de adeus ao pai.
Está nos cinemas e estreia na Mubi em 6 de janeiro.
3. Crimes do futuro
Crimes do futuro é a volta de David Cronenberg ao horror corporal, ao qual já deu grandes contribuições em filmes como Videodrome, A mosca, Scanners e Existenz.
Alguém pode até falar que ele não é tão original na história do artista Saul Tenser (Viggo Mortensen), cujo corpo desenvolve novos órgãos para serem retirados em performances artísticas pela sua parceira Caprice (Léa Seydoux).
O filme apresenta a modificação corporal como limite da arte e a cirurgia como o novo sexo. Traz de volta máquinas de formato biológico, televisores antigos, ruídos de mosca e pós-humanos, num futuro sujo e em ruínas.
4. Drive my car
O trabalho do escritor Haruki Murakami costuma se adaptar bem às telas. Dirigido por Ryusuke Hamaguchi, Drive my car é o exemplo mais recente. Também gosto muito de Em chamas, melhor do que o conto original.
A jovem Misaki Watari (Toko Miura) é contratada para ser motorista do Saab vermelho de duas portas do ator e diretor Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), que foi convidado a encenar Tio Vânia num festival de teatro em Hiroshima, dois anos depois da morte de sua esposa.
Uma obra-prima sobre o luto, na Mubi.
5. Moonage daydream
Após a morte de David Bowie, no começo de 2016, tudo começou a dar errado no mundo. Como se, de alguma forma, o equilíbrio tivesse sido perdido.
Com o nome de uma das faixas do clássico The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars, o documentário Moonage daydream, dirigido por Brett Morgen, é uma experiência visual e sonora sobre a trajetória do cantor.
Mostra mais do que explica, dando voz ao Bowie em entrevistas de diversas fases de sua carreira.
Gostei particularmente de ver como ele usou os cartões do Brian Eno, durante a gravação de Low, e o método cut-up do William Burroughs, em suas letras.
6. A pior pessoa do mundo
A pior pessoa do mundo fecha a Trilogia de Oslo, dirigida por Joachim Trier, que mostra de maneira bastante interessante a evolução do cineasta norueguês, primo distante do dinamarquês Lars von Trier.
Acompanhamos a vida de Julie (Renate Reinsve), enquanto ela toma decisões sobre sua carreira e sobre seus relacionamentos pessoais. (E ela está longe de ser a pior pessoa do mundo, apesar do nome do filme.)
Em certo momento, Aksel (Anders Danielsen Lie), namorado de Julie, mais velho que ela, diz: “Passei minha vida fazendo isso. Colecionando todas essas coisas, quadrinhos, livros… E continuei, mesmo quando isso parou de me dar as emoções fortes que eu sentia quando tinha 20 e poucos anos. Eu continuei de qualquer maneira. E agora é tudo que me resta. Conhecimento e memórias de coisas estúpidas e fúteis com as quais ninguém se importa”.
Quem tem certa idade sabe exatamente do que ele está falando.
7. O desconhecido
O estranho é baseado num caso real, uma investigação para descobrir o culpado pelo desaparecimento de um menino de 13 anos, numa das maiores operações policiais já realizadas na Austrália.
Joel Edgerton interpreta o investigador Mark Frame, que trabalha disfarçado de criminoso para se aproximar de Henry Teague (Sean Harris), suspeito de ter raptado e matado o garoto.
O longa-metragem de estreia de Thomas M. Wright é um filme tenso, lento e pesado.
Está na Netflix.
8. The Kingdom: Exodus
O próprio Lars von Trier apontou Twin Peaks como grande inspiração para The Kingdom, que, assim como a série de David Lynch, teve duas temporadas na década de 1990 e demorou 25 anos para ter a terceira.
Os episódios acompanham acontecimentos sobrenaturais no maior hospital da Dinamarca, o Rigshospitalet (cujo nome é abreviado para Riglet, ou o Reino, em dinamarquês).
O melhor da série é que qualquer coisa pode acontecer.
Udo Kier interpreta um personagem chamado irmãozinho na segunda temporada, criança com corpo gigante, meio humana e meio demônio.
Na terceira, passa a ser o irmãozão, uma cabeça gigante enterrada quase até o nariz num pântano. Seu coração ocupa uma das salas do hospital.
Há piadas recorrentes sobre a rivalidade entre suecos e dinamarqueses, que eu não sabia que existia.
A terceira temporada brinca com temas sérios como assédio sexual no trabalho, mesmo depois (ou até por causa de) o diretor ter sido acusado pela cantora Björk.
Nas duas primeiras temporadas, um Lars von Trier jovem e arrogante comentava cada episódio ao final.
Recentemente, o diretor anunciou ter sido diagnosticado com Parkinson e, na terceira temporada, passou a fazer os comentários finais atrás de uma cortina vermelha, mostrando somente os pés. Segundo ele, por vaidade.
9. Morte morte morte
Estreia da diretora Halina Reijn, Morte morte morte é o filme de terror mais engraçado do ano.
Um grupo de amigos de 20 e poucos anos resolve dar uma festa numa mansão isolada, durante a passagem de um furacão.
Eles resolvem jogar Morte Morte Morte, uma espécie de Among us da vida real, em que uma pessoa é sorteada como assassino e quem o assassino tocar tem de se fingir de morto. Mas tudo dá errado quando cai a energia elétrica e eles começam a morrer de verdade.
Os diálogos parecem ter sido tirados do Twitter. “Não a chame de psicopata. Isso é muito capacitismo”, diz em determinado momento Sophie (Amandla Stenberg).
Rachel Sennott, que já havia sido ótima em Shiva Baby, está hilária como Alice, personificação da positividade tóxica.
10. Lamb
Apresentado como filme de terror, Lamb mais entristece do que assusta. Um casal interpretado por Noomi Rapace e Hilmir Snær Guðnason resolve adotar um bebê híbrido de humano e carneiro que nasce de uma das ovelhas de sua fazenda.
Ada é tirada de sua mãe, e acompanhamos o sofrimento da ovelha. O irmão do dono da fazenda, interpretado por Björn Hlynur Haraldsson, enxerga a criança como uma aberração.
Dirigido por Valdimar Jóhannsson, o longa-metragem trata da crueldade das pessoas com outros seres vivos.