É possível fazer detox digital quando sua profissão é digital?

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Criticar as redes sociais se tornou um hábito cada vez mais recorrente entre os brasileiros.

Notícias falsas, escândalos sobre vazamento de dados e polêmicas geram desgastes e promovem o questionamento: qual é o benefício de estar presente nas redes sociais hoje em dia?

Esse é um dos questionamento de Jaron Lanier, pesquisador da Microsoft que foi um dos idealizadores da realidade virtual e já participou de diversos projetos para a expansão da internet, em seu livro Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais.

É uma leitura agradável, muito mais em tom informativo do que catastrófico sobre como avaliar se você deve sair das redes em definitivo.

De acordo com Jaron, as redes sociais são responsáveis por alguns itens como: a perda do livre-arbítrio, sanidade, verdade, empatia e inteligência emocional.

Jaron Lanier critica as redes sociais em livro / Luca Vanzella
Jaron Lanier critica as redes sociais em livro / Luca Vanzella

Lanier explica que o primeiro passo para reavaliar hábitos digitais deve ser uma interrupção temporária. O autor sugere uma pausa de seis meses de todas as redes sociais.

E então eu encarei um desafio: diminuir muito o uso das redes sociais e do smartphone, mesmo tendo uma profissão digital.

Como eu considerei o tempo muito longo, eu me propus a tirar um mês de folga. As ações não poderiam prejudicar o trabalho, mas deveriam permitir uma reavaliação da minha presença online.

O processo

Não me lembro nos últimos 10 anos quando foi que eu não chequei uma tela de celular em busca de informação.

Trabalhando com comunicação e marketing digital, nunca me preocupei em entender se meu uso era profissional ou pessoal.

Eu simplesmente estava online o tempo todo, desde a aquisição do meu primeiro smartphone em 2009, um Blackberry Bold.

A primeira tarefa foi instalar um aplicativo para verificar quanto tempo eu gastava no smartphone e qual eram minhas principais atividades (aqui eu usei o Screen Time para Android).

Eu estava chegando em 6,5 horas utilizando apps, sendo 2 horas apenas no Facebook.

Até aquele momento eu me considerava uma pessoa com hábitos normais na internet, não sofria de ansiedade, depressão ou qualquer outro problema relacionado ao uso das redes.

É assustador verificar que uma pessoa que trabalha, toca uma casa, cuida de uma criança pequena e leva uma vida social razoável consegue gastar tanto tempo assim no celular.

Então eu criei as seguintes regras:

  1. Separar o trabalho da vida pessoal: uso de redes sociais para o trabalho foi limitado ao desktop. No celular apenas aplicativos funcionais como o do banco, mapas, agenda e Whatsapp.
  2. Silenciei todos os grupos de WhatsApp que não tinham relação com a profissão e sai de grupos que não estava participando. Para grupos em que era gestora, enviei uma mensagem de despedida. De grupos que apenas acompanhava, só me retirei.
  3. Mantive minha presença digital sem alterações no LinkedIn, pois ele faz parte da estratégia de conteúdo da empresa.
  4. Assinei mais newsletters e organizei o Google Trends, pois não poderia ficar sem checar notícias dos setores que são importantes para o meu negócio ou para os clientes.
  5. Olhei duas vezes por semana as mensagens privadas nas redes sociais, pois elas poderiam ser relacionadas a propostas profissionais.

Os primeiros 15 dias foram tranquilos e me senti com bastante tempo livre. Voltei ao trabalho e a vida seguiu normalmente.

Na segunda quinzena, eu trapaceei um pouco, me senti ansiosa por estar perdendo coisas, a famosa sensação de FOMO (fear of missing out).

E quando eu checava meu telefone, não havia notificações.

Foi aí que percebi que era um mau hábito.

Foi um período de arrumar desculpas, pois estava fazendo o início de três novos clientes na empresa e uma gestão de crise digital.

Percebi que parte do meu contato com as redes era a atividade de buscar novidades para conversar com as pessoas.

E que isso se tornou um hábito maior do que simplesmente ler um livro ou um artigo apenas com a intenção de aprender algo.

Foi difícil ver filmes e descobrir coisas novas sem ter o impulso do compartilhamento, mas eu consegui passar pelos 30 dias sem cair em tentação novamente.

Não pretendo me desconectar de nenhuma plataforma, mas esse período serviu para mostrar como eu estava conduzindo de forma errada o meu tempo.

Também verifiquei que tão importante quanto utilizar as redes para criar uma aproximação é saber explicar qual o uso e tempo de resposta para cada plataforma, assim como já fazemos com as marcas.

Fenômeno Cultural

Durante a última década, com o ganho de capilaridade da internet aliado ao desenvolvimento dos smartphones, nossa vida sofreu uma revolução.

Nunca foi tão fácil enviar e-mails, ter acesso ao banco, planejar viagens, comparar preços de produtos, encontrar o par ideal, verificar performance de exercícios físicos, acompanhar notícias e consumir filmes e músicas.

Ao mesmo tempo, nunca foi tão comum ver pessoas exigindo que a nossa persona digital seja presente.

Se você também acha que as redes sociais e seu smartphone estão causando mais mal do que bem, saiba que você não está sozinho.

Apesar da popularidade da internet e das redes sociais, muitos brasileiros começam a repensar a sua relação com as plataformas.

Uma pesquisa da Mintel sobre atitudes e hábitos em relação ao uso de mídias sociais revela que um em cada cinco brasileiros (22%)  diz ter deletado alguma conta de rede social nos últimos doze meses (em relação a abril de 2018).

Essa tendência também é estudada pelo projeto Todo Mundo Quem, dos pesquisadores Luiza Futuro e Luiz Filipe Techera, que investigou sobre o que pensam e como se comportam os brasileiros fora das redes sociais.

Entre os 100 milhões de brasileiros fora das redes, eles identificaram um perfil denominado Nativos Sociais, aqueles que acreditam que uma persona digital exige uma coerência narrativa que não é compatível com o dinamismo e a transgressão de estar vivo e escolheram não participar das redes sociais.

Etiqueta digital

Com o aumento do uso de aplicativos, a quantidade de notificações push, mensagens enviadas com o objetivo de gerar engajamento, aumentou consideravelmente para quem possui um smartphone.

O que deveria ser um facilitador para que você aproveite informações, promoções e seja avisado sobre algo importante, se tornou algo que gera mais ansiedade no dia a dia.

Na intenção de ser colocado como prioridade na ordem de respostas que uma pessoa poderia dar ao longo do dia, é comum ver uma mensagem que era pra ser apenas um e-mail se tornar uma chamada no Facebook, um inMail no LinkedIn e, caso você demore algumas horas para responder, vira um WhatsApp.

Essas reações dizem muito sobre como as pessoas entenderam as facilidades proporcionadas pela tecnologia, mas também nos alertam para um problema maior: como conduzir sua rede de contato para um uso saudável e colocar limites no relacionamento digital.

Num momento da minha experiência, pessoas mais próximas questionaram se estava tudo bem comigo, uma vez que eu sempre respondi com rapidez.

É hora não só de repensar o tempo gasto online, mas também de como cada um é responsável por essa dinâmica que está nos fazendo desistir dos benefícios da vida digital.

Estabelecer as regras de como você utiliza cada plataforma e quais estão disponíveis para atendimento (pessoal e profissional) devem fazer parte do relacionamento digital de cada um.

Explicar os motivos da criação de um grupo, gerar conteúdo que seja útil, deixar mensagens personalizadas em cada rede para dizer como e onde é mais fácil conversar com você são apenas alguns pontos que podem ser estabelecidos com os seus contatos.

Em se tratando de redes sociais, o óbvio não só precisa ser dito, mas é necessário observar se você é mais parte do problema do que uma vítima das dinâmicas digitais.


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