O Brasil e o jogo geopolítico entre EUA e China no 5G

Disputa entre Estados Unidos e China tem reflexo no 5G / Pixabay
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Disputa entre Estados Unidos e China tem reflexo no 5G / Pixabay
Disputa entre Estados Unidos e China tem reflexo no 5G / Pixabay

Em 2021, o Brasil está para definir o leilão de frequências relacionadas às redes de quinta geração (5G), infraestruturas de redes de telecomunicações.

Em debate, há proibição ou não do fornecimento de tecnologia 5G por empresa considerada de alto risco à segurança cibernética.

O tema encontra-se na disputa geopolítica entre Estados Unidos e China.

Geopolítica nas comunicações

Ericson Scorsim / Divulgação

No século 21 as comunicações estão sendo influenciadas e moldadas pela geopolítica global.  

Estados Unidos e China disputam a liderança global. 

Os EUA têm geoestratégicas para manter a sua superioridade tecnológica, econômica e militar diante da China.

Essa disputa pela liderança mundial entre Estados Unidos e China projeta-se no tema da tecnologia 5G, infraestrutura de rede de telecomunicações móveis e fixas.

Os Estados Unidos não possuem nenhuma empresa global líder em tecnologia de 5G, diferentemente da China, a qual possui a Huawei. 

Nesse jogo geopolítico, encontram-se as empresas de telecomunicações, as empresas fornecedoras de tecnologia de 5G, empresas de tecnologia (fornecedoras de software, hardware, microchips, dispositivos IoT) e as empresas de infraestruturas de rede.

Essas empresas encontram-se diante de riscos geopolíticos em seus modelos de negócios.

Nesse aspecto, há risco quanto à cadeia global de suprimento de tecnologia, pois o governo norte-americano adota uma política de controle de exportações de tecnologias sensíveis.

Além disto, há questões relacionadas à segurança cibernética das redes de comunicações, diante de riscos de espionagem pelos serviços de inteligência dos países.  

O governo norte-americano rompeu com sua tradição de livre comércio, na medida que proibiu o fornecimento de tecnologia de 5G pela empresa Huawei.

Além disso, o governo norte-americano impôs uma série de medidas para restringir a exportação de semicondutores para a Huawei e outras empresas chinesas.

Vale dizer, o governo norte-americano adotou uma medida protecionista para a defesa de seu mercado, bem como pressionou outros países para seguirem a sua política.

Influência do 5G

Registre-se que a tecnologia de 5G (quinta-geração) definirá os rumos da futura economia digital dos países.  

Correlato ao 5G, há a internet das coisas (IoT), a arquitetura de comunicações entre máquinas, com aplicações na indústria, agricultura, sistema financeiro, medicina e saúde, porto, aeroportos, entretenimento, educação, entre outros.

O país que liderar o 5G terá forte influência sobre a economia global.

Por isso, os Estados Unidos buscam atrair investimentos em hardware (semicondutores) e software para dentro de seu território.  

Há estados norte-americanos que têm leis de atração de investimentos na instalação de fábrica de semicondutores.

Há, inclusive, incentivos para a atração de investimentos internacionais, excetuados os investimentos chineses.

Essa disputa geopolítica entre Estados Unidos e China tem impactado a cadeia global de suprimentos.

Há, portanto, questões de geopolítica, geoeconomia e geodefesa.

A decisão política dos Estados Unidos foi fundamentada em supostas razões de segurança nacional.

Acusa-se a empresa chinesa de realizar espionagem econômica e política, para os serviços de inteligência da China. A empresa nega todas as acusações.

Ou seja, os EUA, como um método de contenção da influência da China, impôs a medida extrema do banimento da tecnologia chinesa de 5G.

Ademais, o governo norte-americano adotou o programa denominado Clean Path, o qual proíbe a tecnologia chinesa nas redes 5G, infraestruturas de computação em nuvem, loja de aplicativos, redes de cabos submarinos. Trata-se de medidas de evidente lawfare adotada pelos Estados Unidos.

E mais, o governo norte-americano adotou o programa América Cresce de investimentos na América Latina, com a liberação de recursos para investir em setores de tecnologia e telecomunicações.

Redes de inteligência

Registre-se que os Estados Unidos mantêm uma rede de inteligência global, denominada Five Eyes, com a participação do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

O objetivo é a coleta de sinais de inteligência em qualquer lugar do planeta. São agências expoentes desta rede: a americana National Security Agency (NSA) e a britânica Government Communications Headquarters (GGHQ).

Essas agências têm capacidade extraordinária quanto à interceptação de comunicações em redes de telecomunicações fixas, móveis, por satélites, por cabos submarinos, mediante infiltração de softwares espiões nas redes de computadores.

Além disto, as agências de inteligência têm capacidade para realizar ataques cibernéticos e competência técnica para realizar ações encobertas (covert actions), em qualquer área do globo.

O governo norte-americano ameaça não mais compartilhar informações de inteligência com seus aliados se adotarem a tecnologia chinesa. 

E mais, os Estados Unidos tem o Foreign Intelligence Surveillance Act que é uma legislação sobre a interceptação de comunicações no exterior.

Geodefesa nacional

Nos aspectos geomilitar e de geodefesa nacional, a tecnologia de 5G utiliza o espectro de radiofrequências. É considerada uma tecnologia dual-use, isto e, com utilização civil e militar.

Assim, a geodefesa relaciona-se com a capacidade do país soberano defender suas infraestruturas de redes de comunicações diante de esquemas de espionagem, bem como da capacidade do país de espionar governos e agentes estrangeiros.

Essas frequências são essenciais em operações militares, em operações de comando e controle, comunicações, reconhecimento, vigilância, rastreamento e definição de alvos.

Neste contexto, há as agências militares norte-americanas: National Geointelligence Agency, National Reconnaissance Office (NRO) e National Geospatial-intelligence Agency, entre outras.

Estas agências federais militares coletam sinais de inteligência em todo o globo, em vias terrestres, marítimas e espaciais.

A título ilustrativo, imagens de satélite contribuem na localização de alvos do inimigo.

Há, também, drones de reconhecimento aéreo, bem como drones “matadores”, com capacidade letal. Assim, a tecnologia de drones é utilizada mediante sistemas de GPS e acesso ao espectro de radiofrequências.

Há, também, coleta de sinais de inteligência acústicos nos oceanos para detectar a presença de submarinos nucleares. Por exemplo, o sistema GPS depende da utilização do espectro de frequências.

A tecnologia de GPS é fundamental para os serviços de geolocalização de pessoas, objetos, veículos e máquinas, entre outros.

Com a tecnologia de 5G haverá a maximização da utilização da tecnologia GPS, devido à otimização da precisão da geolocalização.

Com a tecnologia de 5G são realizadas operações de inteligência, reconhecimento, monitoramento, vigilância e rastreamento.

Também haverá melhor precisão na definição de alvos para armas inteligentes, bem como a visualização de teatros de batalhas e rastreamento de munições.

Telecomunicação no Brasil

No Brasil, as principais operadoras de telecomunicações brasileiras têm como fornecedores a Ericsson (Suécia), Nokia (Finlândia) e Huawei (China).

Portanto, os fornecedores de equipamentos de redes de telecomunicações no Brasil são europeus, à exceção da Huawei.

Para as empresas brasileiras com a eventual exclusão da referida empresa chinesa haverá o aumento de custos para os consumidores, bem como o atraso no desenvolvimento do 5G.

Os EUA declararam que a tecnologia de 5G no Brasil é do interesse de sua segurança nacional.

Para os EUA, o Brasil é parte de seu entorno estratégico de sua segurança nacional. Ora, o Brasil é um país soberano.

Por isso, o exercício pleno de sua soberania demanda a adoção de uma política de segurança das redes de telecomunicações, baseadas no interesse nacional.

Este interesse nacional é aqui representado pela integridade, confidencialidade, privacidade e segurança das comunicações.

É essencial à geodefesa nacional a proteção das redes e serviços de comunicações contra esquemas de espionagem.

Além disto, relembre-se que o Brasil foi alvo de espionagem pelos Estados Unidos em 2013, por meio da National Security Agency, fato que ensejou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional.

Portanto, é importante a dose de realismo político e pragmatismo diante dos riscos representados pelos EUA quanto à espionagem de brasileiros, empresas e governo.

A faixa de 6 GHz

Mas, além da questão do 5G, há outro tema em jogo: o wi-fi 6. A tecnologia é complementar à de 5G, à medida que permite o escoamento do tráfego de dados por dispositivos wireless.

Ou seja, conteúdo de celulares, notebooks, tablets, entre outros, obtidos da rede 5G (4G e/ou outra) poderá ser escoado pela rede wi-fi 6.

Em 2020, a Anatel colocou em consulta pública o uso da faixa de frequências para o wi-fi 6, entre 5.925 a 7.125 GHz (giga-hertz).

Além disto, a Anatel deliberou pela utilização desta faixa de frequências de modo não licenciado. 

De fato, a liberação do congestionamento do tráfego de dados por wi-fi permitirá a melhoria das comunicações digitais. Além disto, outra aplicação da faixa de 6 GHz é a internet das coisas (IoT).

A IoT tem aplicações em diversos setores econômicos: indústria, medicina, educação, agricultura, entretenimento, sistema financeiro, dentre outros.

Ademais, a tecnologia de 6 GHz é vital para a entrega dos serviços das denominadas empresas que prestam serviços OTTs (over-the-top), tais como Google, Facebook, Netflix, Amazon e Apple.

Para a tecnologia de 6 GHz há um mercado gigantesco para o fornecimento de hardware, software e serviços.

Por isso o interesse dos Estados Unidos no mercado do Brasil no wi-fi 6.

O objetivo das empresas e do governo norte-americano é garantir o fornecimento de hardware, software e serviços para o Brasil.

Assim, os Estados Unidos querem liderar o mercado brasileiro, para impedir a entrada da China e de outros países.

Investimentos em tecnologia

Sem dúvida alguma, é importante a cooperação internacional entre Brasil e Estados Unidos no âmbito das tecnologias de 5G e wi-fi 6.

Porém, é necessário que o Brasil defina sua geoestratégia em relação a essas novas tecnologias, para evitar o risco geopolítico de dependência tecnológica de outros países.

Por isso, é fundamental uma robusta política industrial para atrair investimentos em 5G e wi-fi 6 no Brasil.

Também, é importante uma política de ciência e tecnologia, com investimentos em pesquisa e desenvolvimento, nessas áreas a fim de otimizar resultados para a sociedade brasileira.

A falta de política nacional e de sua respectiva execução simplesmente poderá ocasionar a influência de potências estrangeiras sobre a economia digital do Brasil.  

Afinal, as tecnologias de 5G, wi-fi 6 e internet das coisas definirão os rumos da economia digital no século 21.

Basicamente, as tecnologias de 5G e wi-fi 6 ampliam significativamente a capacidade de transporte de dados, isto é, as velocidades de tráfego de dados são muito maiores do que as do atual 4G. 

Essas tecnologias possibilitarão ações em tempo real, sem demora no canal de retorno das comunicações.

A tecnologia de wi-fi 6 possibilitará sistemas de realidade virtual e aumentada, com a simulação da própria realidade, com mecanismos de holografia.

Além do 5G

Nesse contexto, a internet das coisas permitirá a conexão de equipamentos, veículos e objetos em grande escala.

A título ilustrativo, o IoT possibilitará mudança nos sistemas de transporte, mediante os veículos autônomos, guiados por pilotos automáticos e radares.

Assim, a integração entre o IoT e o sistema de GPS, no caso dos carros autônomos.

Outro exemplo: o sistema de pagamentos digitais via “maquininhas” depende do sistema de GPS, para validar a identificação dos usuários.

Com as novas tecnologias de 5G haverá a ampliação da segurança cibernética no sistema de pagamentos digitais.

O país que dominar essas tecnologias influenciará os destinos da economia global.

Além disto, os dispositivos de IoT, se não houver a adequada regulamentação nacional, podem ser acionados remotamente em outro país. Por isso a necessidade de definição de padrões técnicos.

6 GHz no Brasil

A Anatel decidiu por destinar a faixa de frequências de 6 GHz para as comunicações wi-fi, antecipando-se à deliberação final da União Internacional de Telecomunicações (UIT) sobre o tema. 

Mas essa decisão não agrada as empresas de telecomunicações na medida que a faixa de frequências poderá ser necessária, futuramente, para a prestação de serviços de 5G.

Diversamente, essa decisão da Anatel interessa à empresa globais de tecnologia norte-americanas, às quais pretendem a harmonização do espectro de frequências entre Estados Unidos e Brasil, pois, assim, é mais fácil o escalonamento da produção e comercialização de equipamentos e produtos.

Também, empresas brasileiras provedores de internet de pequeno porte têm interesse na utilização da tecnologia de wi-fi 6, principalmente para facilitar o acesso às redes OTT e, assim, possibilitar o consumo de serviços digitais.  

Ou seja, para além da questão geopolítica em torno do 5G, há a competição entre as empresas de telecomunicações e as empresas globais de tecnologia sobre a faixa de 6 GHz.

Geopolítica brasileira

Há a disputa entre a demanda do espectro das empresas provedoras de serviços móveis pessoais (international mobile telecommunications) e as provedoras de serviços de comunicação multimídia, conforme a classificação técnica.

Enfim, é da responsabilidade do Brasil definir a sua política geoestratégia de defesa de sua economia, de sua infraestrutura de rede de comunicações.

Por isso, é necessária uma política pública industrial e voltada à ciência e à tecnologia capaz de mitigar os riscos da dependência tecnológica de outros países, bem como reduzir a influência ao soft power e poder geocultural das empresas globais de tecnologias.

O Brasil precisa de fabricação de equipamentos de redes de telecomunicações (hardware e software) em seu território nacional, para produzir empregos e renda, bem como proporcionar arrecadação tributária.

Há desafios, riscos e oportunidades a serem enfrentados pelo Brasil, especialmente em questões de infraestruturas de conectividade e a cadeia global de suprimentos.

O futuro do Brasil, de sua conectividade, suas infraestruturas de redes, sua economia e do povo brasileiro está em jogo. 

  • Ericson Scorsim é advogado e consultor em Direito da Comunicação e autor do livro Jogo geopolítico das comunicações 5G – Estados Unidos, China e impacto no Brasil


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