Quando em meados de agosto a consultoria Gartner publicar seu esperado estudo anual sobre tecnologias emergentes – o famoso hype cycle – não será surpresa se a tecnologia de blockchain aparecer em baixa. Próxima do temido vale da desilusão.
Para quem não conhece esse conceito, explico. A sacada do Gartner foi perceber um padrão no ciclo de vida das tecnologias.
Elas surgem como um gatilho, passam por um breve período de expectativas infladas, são questionadas quando não entregam o que prometeram (o tal vale), iniciam um período de entendimento e, por fim, atingem o estágio de adoção em massa, apelidado de platô de produtividade.
Um dos melhores exemplos – e, talvez, o de ciclo mais longo – é o da inteligência artificial.
A febre começou lá nos anos 60, quando se esperava que muito em breve robôs domésticos fariam parte do nosso cotidiano (a animação Os Jetsons é de 1962).
Veio 1968 com o clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço. E depois… o longo e tenebroso inverno da IA.
Foi preciso esperar décadas para que a internet e a Lei de Moore permitissem a quantidade de dados e o processamento necessários para o renascimento da inteligência artificial.
O aprendizado de máquina está aí, e movimenta bilhões. Hoje, tirando ciberapocalípticos à la Matrix, podemos dizer que a espera valeu a pena.
No vale da desilusão
Mas voltemos à blockchain.
Acho o fenômeno do bitcoin e das demais criptomoedas bem-sucedido. “O quê? Mas e o estouro da bolha no início de 2018?”
Isso eu chamo de ajuste de mercado. A aplicação em si, que permite trocar ativos de maneira (quase) totalmente segura e descentralizada, está aí, firme e forte.
Tudo graças à tecnologia de blockchain. Que, aliás, é altamente disruptiva e permite muito mais do que transacionar tokens. O hype, pra mim, é outra coisa.
O que se viu nos últimos dois anos foi uma enxurrada de promessas de aplicação para blockchain, sem nem pensar direito no real propósito.
Como se estivéssemos à beira de uma nova revolução, uma nova internet, e perder o bonde seria sinônimo de falência. “Sua empresa tem um problema? Adota blockchain”. E dá-lhe buzzwords das consultorias.
A realidade é que a tecnologia está em desenvolvimento. Novos algoritmos de consenso, que eliminam o custo excessivo de processamento (e de consumo de energia) e permitem transações mais rápidas, são promissores.
Mas estão em estágio de maturação. Nem tudo cabe numa blockchain. Aliás, hoje poucas coisas cabem.
Subindo a ladeira da iluminação
A beleza do vale da desilusão do Gartner é que ele é também um divisor de águas. Um ponto de partida para pensar nas aplicações que farão sentido nas próximas décadas. Com calma e sabedoria.
Trilhar a ladeira da iluminação não exige pressa, mas trará, a longo prazo, a vantagem competitiva necessária para o sucesso na adoção da tecnologia.
E hoje? Dá para ir além das criptomoedas? Claro que sim! Já se espalham pelo mundo soluções envolvendo blockchain nos setores de energia, logística, segurança alimentar, varejo, saúde e até no mercado imobiliário.
Mas é necessário desmistificar a blockchain e encará-la com realismo, compreender realmente a tecnologia, suas limitações atuais e, principalmente, refletir sobre as oportunidades futuras.
É isso o que propusemos na Fundação Certi quando criamos o Blockchain Explorer. A ideia é levar entendimento sobre blockchain e incentivar os tomadores de decisão a pensarem quais são as melhores soluções para aplicá-la em suas empresas.
O projeto inclui dinâmicas de ideação, design thinking e análise comparativa de soluções, dando origem a um protótipo com demandas específicas de cada empresa.
Como ensina o futurista Roy Amara: podemos superestimar as tecnologias num curto prazo. Mas não devemos subestimá-las no longo.
- José Lacerda é estrategista de blockchain da Fundação Certi