Quando a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) foi criada, os definidores do marco regulatório estudaram modelos adotados para as telecomunicações em várias partes do mundo.
Políticas públicas internacionais de sucesso costumam permear as discussões sobre melhorias no mercado nacional.
Numa época de mudanças estruturais e de revisão do modelo regulatório das telecomunicações, especialistas apontam iniciativas internacionais que poderiam servir de exemplo ao Brasil.
Dentre os modelos mais citados está o europeu. Recentemente, o Comitê da União Europeia determinou novas diretrizes de conectividade a serem aplicadas até 2025.
Com as novas orientações, escolas, centros de pesquisas e de transporte, serviços públicos e empresas que dependem de tecnologia devem ter acesso à conectividade de 1 gigabit por segundo (Gbps).
A UE também quer estejam disponíveis para todas as famílias, inclusive em áreas rurais, conexões com velocidade de download de pelo menos 100 megabits por segundo (Mbps).
Além disso, as diretrizes preveem cobertura ininterrupta de comunicações móveis de quinta geração (5G) em áreas urbanas, incluindo estradas e ferrovias.
Um obstáculo à adoção de um modelo parecido com europeu no Brasil é a alta exigência de investimentos. Os países da UE devem investir cerca de € 500 bilhões na próxima década.
Divino Sebastião de Souza, vice-presidente de Operações do Grupo Algar, é um dos que não acredita na implantação de um sistema parecido com o europeu no País.
“A Europa tem um sistema já consolidado, com os países ali mais próximos, que tornam os acordos mais fáceis. Além do que a Europa tem maior controle sobre a regulamentação, ao contrário dos Estados Unidos. Talvez sejamos mais influenciados pelos americanos e faça mais sentido para nós, um país em desenvolvimento, a ideia de que o mercado manda e o governo vigia de longe”, diz Souza.
Incentivo à universalização
Mesmo um país com uma regulação menos impositiva como os EUA tem políticas de incentivo à banda larga. Em março deste ano, o presidente Barack Obama anunciou a iniciativa ConnectAll.
A administração federal recomendou à Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) transformar um antigo programa de subsídio à telefonia, de US$ 1,5 bilhão por ano, num programa de incentivo à banda larga para famílias de baixa renda.
A iniciativa tem por meta conectar mais 20 milhões de norte-americanos à banda larga até 2020. O alvo da política são famílias com renda anual menor do que US$ 25 mil.
Segundo André Borges, secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o novo plano de banda larga, em fase de definição pelo governo brasileiro, também deve incluir incentivo à demanda.
Borges prevê subsídio a famílias de baixa renda e vouchers de instalação de internet para pequenas e médias empresas. Essas medidas, no entanto, seriam de médio e longo prazo, porque, segundo ele, é preciso antes incentivar a oferta.
“A grande tarefa desta gestão será criar um plano sustentável para a expansão da banda larga, que envolve também ações voltadas à revisão do marco regulatório legal e infralegal, no sentido de torná-lo mais flexível e adaptado à realidade fortemente competitiva do mercado”, diz Borges.
Flexibilidade da regulação
A flexibilização do marco regulatório é vista com bons olhos por executivos brasileiros. Aluizio Byrro, presidente do Conselho Consultivo da Nokia no Brasil, acredita que o modelo, mais do que possível, “é uma tendência mundial”.
Mas as virtudes do modelo americano não são consenso no Brasil. Chris Torto, presidente da Ascenty, discorda de que a regulação brasileira deva se inspirar nos EUA.
“Os Estados Unidos não seriam um bom exemplo para o País, porque estão num estágio totalmente diferentes em termos de regulação. Lá as operadoras trabalham muito em conjunto. Não diria que há um cartel, mas são somente duas grandes companhias, diferentemente do Brasil”, afirma Torto.
A discussão sobre políticas públicas brasileiras para o setor traz a tona a necessidade de discutir o tema com maior profundidade.
Especializada em telecomunicações, a advogada Silvia Melchior vê dificuldades de o governo conseguir criar políticas de qualidade para o setor num curto prazo.
“Para se desenvolver uma política pública, precisamos de atenção do governo e estamos passando agora por um momento tumultuado nesse aspecto. No Brasil, fazer políticas públicas para telecomunicações não é prioridade, mas, para ter sucesso, seria necessário que fosse. Tudo o que foi criado até agora foi muito limitado”, explica Melchior.
Os especialistas apontam que a criação de um modelo de longo prazo para o setor é essencial para atrair investimentos.
Luiz Henrique Barbosa da Silva, gerente sênior de Assuntos Regulatórios da Level 3, destaca a necessidade de se definir políticas públicas para o setor, de coordenar ações entre diferentes entes públicos e de adotar um modelo regulatório pró-competitivo.
“Enquanto isso, o mínimo que se poderia fazer seriam iniciativas para reduzir o custo Brasil, especialmente para novas empresas”, complementa. “Se o setor público não atrapalhasse tanto, já seria um avanço.”
- Esta é a terceira de uma série de cinco reportagens sobre telecomunicações e inovação, publicadas às quintas-feiras pelo inova.jor. As opiniões expressas nas reportagens não refletem necessariamente a posição da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp).