Depois do streaming, vídeo transmitido via internet, ficou difícil definir o que seja televisão. E também o que seja cinema.
A Cahiers du Cinéma escolheu Twin Peaks: o retorno como melhor filme do ano. O seriado também ficou em segundo lugar na lista de melhores filmes da Sight & Sound, do British Film Institute.
A série foi toda dirigida por David Lynch, como se fosse um longa-metragem de quase 18 horas.
Diante da questão de Twin Peaks ser ou não cinema, o Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma, na sigla em inglês) decidiu exibir todos os episódios na tela grande, a partir de 5 de janeiro.
Abaixo, minha lista de melhores filmes de 2017, começando com Twin Peaks.
Alguns títulos foram lançados em 2016 no exterior, mas chegaram ao Brasil somente neste ano,
1. Twin Peaks: o retorno – David Lynch
Você nunca viu nada parecido com Twin Peaks: o retorno. Para o bem e para o mal.
Lançado 26 anos depois da segunda temporada, o seriado pode ser considerado ainda mais revolucionário que o original.
Aos 71 anos, David Lynch retoma temas de toda a sua carreira, e faz um trabalho mais próximo de Império dos Sonhos que do primeiro Twin Peaks.
O oitavo episódio é o grande exemplo de como David Lynch mudou a história da televisão (e do cinema) mais uma vez.
2. Ao cair da noite – Trey Edward Shults
O primeiro trabalho de Trey Edward Shults era um drama familiar chamado Krisha. Apesar de este segundo ser um filme de terror, a dinâmica é bem parecida.
Ele vai construindo tensão entre os personagens, a partir do que é dito e do que é não dito, de pequenos gestos que vão se acumulando, até que chega o momento da explosão.
Em Ao cair da noite, uma doença incurável ameaça a humanidade, e um casal mora isolado com o filho adolescente. A chegada de uma outra família vai tornar a vida mais difícil.
É um filme cheio de significados em tempos de intolerância e xenofobia.
3. Raw – Julia Ducournau
Uma jovem vegetariana é obrigada a comer carne crua durante o trote da faculdade, e passa a sentir um desejo carnívoro incontrolável.
O filme de estreia da cineasta francesa Julia Ducournau trata de canibalismo de maneira original. Também mostra como é impossível fugir de quem se é de verdade, apesar da pressão social.
4. Blade Runner 2049 – Denis Villeneuve
A responsabilidade do canadense Denis Villeneuve era grande, mesmo vindo da ótima sequência de filmes formada por O homem duplicado, Sicário e A chegada.
Blade Runner 2049 não faz feio frente ao clássico de 1982. Mantém questionamentos originais do escritor Philip K. Dick e cria imagens únicas, como uma Las Vegas deserta e coberta de areia.
Com a diferença de que estamos ainda mais próximos do futuro mostrado na tela.
5. Bom comportamento – Josh & Benny Safdie
Robert Pattinson é um grande ator. Pelo menos neste filme.
Ele interpreta um pequeno criminoso que passa a noite tentando tirar da cadeia o irmão, que tem problemas mentais.
O irmão é interpretado por Benny Safdie, um dos diretores do filme. Benny e Josh fizeram um filme engraçado e violento.
O protagonista interpretado por Pattinson, que não é dos mais espertos, está em constante movimento.
6. Poesia sem fim – Alejandro Jodorowsky
O chileno Alejandro Jodorowsky é uma lenda viva dos filmes de meia-noite, por longa-metragens como El Topo e A montanha sagrada.
No autobiográfico Poesia sem fim, ele cria imagens únicas com truques cenográficos muito simples.
Dois de seus filhos trabalham como atores, e o próprio Jodorowsky interpreta a si mesmo.
O diretor também é conhecido pelo projeto de filmar Duna, que não se concretizou, e pelos roteiros da série em quadrinhos Incal, desenhada pelo mestre francês Moebius.
7. Silêncio – Martin Scorsese
Silêncio pode ser visto como um filme de quase três horas sobre a fé católica. Mostra as dificuldades enfrentadas pelos jesuítas no Japão do século 17.
Dois jovens padres entram no país para resgatar seu mestre, que, segundo boatos, cometeu apostasia (renegou sua fé) e converteu-se ao budismo.
Também é possível ver Silêncio como o retrato de um choque cultural.
Os cristãos são obrigados a pisar num pedaço de madeira com a imagem de Cristo ou da Virgem Maria, como “mera formalidade”.
Na sociedade japonesa, no entanto, não existe “mera formalidade”. O que há é uma relação profunda entre aparência e essência.
8. Thelma – Joachim Trier
Thelma, do norueguês Joachim Trier, foi comparada a Carrie, a estranha. Acho que o filme está mais próximo de Raw, que também está nessa lista.
Assim como Raw, o longa-metragem fala dos problemas que surgem quando alguém tenta negar sua própria identidade. Neste caso, por pressão da família.
Recém-chegada à universidade, a protagonista se apaixona por uma colega, ao mesmo tempo em que seus poderes sobrenaturais começam a se manifestar, sem que ela consiga controlá-los.
A protagonista percebe que a repressão que sofre tem raízes históricas, que passam pela perseguição às bruxas há séculos na Europa e pelo tratamento da histeria no século 19.
9. Logan – James Mangold
Apesar de Mulher-Maravilha e de Thor: Ragnarok, o melhor filme de super-herói do ano é Logan. Hugh Jackman dá adeus ao Wolverine quase que num western outonal.
Seu personagem já não é imortal e o professor Xavier está ficando senil, uma situação particularmente perigosa, já que ele é o telepata mais poderoso do mundo.
10. Jim & Andy – Chris Smith
Quando começou a fazer sucesso, Jim Carrey foi acusado de ser um imitador do Jerry Lewis. Nunca tive problemas com isso. Gostei muito de filmes como O mentiroso e Debi & Lóide.
Com o tempo, Carrey começou a se esforçar para ser um ator sério. O primeiro passo foi O show de Truman. No ano seguinte, ele fez O mundo de Andy, cinebiografia do humorista Andy Kaufman.
O documentário Jim & Andy mostra os bastidores desse filme, combinando imagens captadas na época com uma entrevista recente de Carrey.
Na filmagem de bastidores, Carrey nunca sai do personagem. Ou é Andy Kaufman ou Tony Clifton (alter ego de Kaufman).
O resultado é desconcertante. O diretor Milos Forman parece desesperado. Carrey confessa que queria fugir da própria vida e é como se víssemos sua personalidade implodir.
Fica a impressão de que ele não se recuperou até hoje.