Num momento em que muitos políticos são investigados e processados por corrupção, o Congresso decidiu criar um mecanismo para censurar publicações na internet durante as eleições, sem necessidade de decisão judicial.
O pretexto é o combate às notícias falsas e aos perfis falsos nas redes sociais, mas, na prática, o mecanismo vai impedir que as pessoas se expressem livremente e que notícias reais tenham repercussão.
O Marco Civil da Internet, lei que define direitos e deveres dos usuários da rede, prevê retirada de conteúdo sem decisão judicial somente em casos de pornografia de vingança.
Ou seja, quando alguém divulga imagens de relacionamentos íntimos sem o consentimento das partes.
Antes de o Marco Civil ser aprovado, cheguei a participar de uma audiência pública sobre o projeto no Senado e ponderei que até mesmo essa possibilidade era excessiva.
O texto deixa ao prestador de serviço de internet a responsabilidade de julgar se as imagens foram divulgadas com consentimento ou não.
Fora isso, a legislação brasileira permite somente a retirada de conteúdo sem decisão judicial no caso de pornografia infantil. Quanto a esse ponto, acho que não existe controvérsia.
Força das redes
É inegável a força das redes sociais nas campanhas eleitorais, aqui e no mundo. E as notícias falsas são uma questão para a qual ainda não existe resposta satisfatória.
Mas criar um mecanismo de censura, em que publicações possam ser derrubadas sem decisão judicial, é criar um problema ainda maior.
Uma emenda de última hora ao projeto de reforma política aprovado pela Câmara prevê a remoção em até 24 horas de publicação na internet após denúncia de “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido, coligação, candidato ou de habilitado”.
A publicação deve ficar fora do ar até que o serviço de internet consiga se certificar da identidade do usuário. A medida ainda precisa ser sancionada pelo presidente Michel Temer.
Criar um mecanismo de censura já é, em si, bastante grave. A liberdade de expressão é um direito básico do ser humano, protegido pela Constituição brasileira.
O quadro fica ainda pior quando pensamos em conceitos de “discurso de ódio” e “ofensa”, que, subjetivamente, podem se aplicar a qualquer informação negativa, mesmo que verdadeira.
Além disso, dar a serviços de internet, como Facebook e Twitter, a responsabilidade de comprovar a identidade do usuário é atribuir a eles uma capacidade que eles não têm.
Na prática, a medida impõe mordaça a pessoas reais na internet. Porque, se um perfil falso for censurado, nada mais fácil do que criar outro.