Com ‘A máquina do tempo’, H.G. Wells inventou o futuro

O filme 'Primer', dirigido por Shane Carruth, não é citado no livro de James Gleick / Reprodução
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Futuro: O filme 'Primer', dirigido por Shane Carruth, não é citado no livro de James Gleick / Reprodução
O filme ‘Primer’, dirigido por Shane Carruth, não é citado no livro de James Gleick / Reprodução

Antes de H.G. Wells publicar A máquina do tempo, em 1895, personagens de ficção já haviam visitado o futuro ou o passado, mas por acaso ou por obra dos deuses.
Em Time travel: a history (Pantheon, 2016), James Gleick escreve que a ideia de se construir um dispositivo para viajar no tempo surgiu no romance de Wells.
A expressão “viagem no tempo” aparece pela primeira vez na língua inglesa somente em 1914, provavelmente como uma derivação de Viajante do Tempo, como é chamado o personagem de Wells.
O pensamento de que o futuro será substancialmente diferente do presente tem pouco mais de um século. Ele aparece com a revolução industrial, quando “a estrada de ferro encolhia o mundo, a luz elétrica transformava a noite em dia perpétuo e o telégrafo elétrico aniquilava tempo e espaço (como os jornais diziam)”.
Antes disso, a vida tinha algo de imutável, e a noção das pessoas sobre a passagem do tempo era bem diferente da nossa.
A primeira menção sobre comemoração de centenário, por exemplo, aparece somente em 1876. A expressão “virada do século” não existia antes do século 20.
“Um século antes, o ano de 1800 passou sem nenhuma comemoração especial; ninguém imaginava como o ano de 1900 seria diferente”, escreve Gleick.

Física e literatura

Time travel: a history, de James Gleick / Reprodução
Reprodução

Autor de Caos: a criação de uma nova ciência e Informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada, Gleick conta em seu novo livro a história da viagem no tempo tanto do ponto de vista da ciência quanto da ficção.
E a ficção não é somente a científica. Ele discute Proust e Borges, Sebald e Nabokov, David Foster Wallace e Philip Roth.
“A textura do espaço não é a mesma do tempo e o cavalo malhado quadridimensional criado pelos relativistas é um quadrúpede com uma perna substituída pelo fantasma de uma perna”, escreveu Vladimir Nabokov.
A Segunda Lei da Termodinâmica, também conhecida como Lei da Seta do Tempo, determina que não é possível voltar ao passado.
Uma maneira de enunciá-la é “a quantidade de entropia de qualquer sistema isolado termodinamicamente tende a incrementar-se com o tempo, até alcançar um valor máximo”. Sendo que entropia quer dizer desordem.
Ou seja, o que está quente tende a esfriar. Como escreve Gleick, “os ovos vão todos se tornar mexidos, os castelos de areia serão derrubados, o sol e as estrelas vão se apagar na uniformidade”.
Mas o autor destaca que a Segunda Lei se aplica a conjuntos e não a entidades individuais. Ela é probabilística. Ele descreve o dilema da flecha do tempo ou paradoxo de Loschmidt:

    “Para o cientista, parece que há uma lacuna problemática entre as leis microscópicas, em que o tempo não tem direção preferencial, porque as leis são reversíveis, e o mundo macroscópico, em que a flecha do tempo aponta do passado para o futuro.”

Linhas do tempo

A mais famosa objeção à viagem no tempo é o chamado paradoxo do avô. O que aconteceria se você viajasse no tempo e matasse seu próprio avô, evitando que você mesmo nascesse?
Muitas histórias foram escritas baseadas nessa ideia. O roteiro do primeiro De Volta para o Futuro brinca com o paradoxo, quando a mãe adolescente de Marty McFly se interessa por ele, no lugar de seu futuro pai.
Normalmente, existem duas soluções narrativas para o problema. Uma delas é que é impossível mudar o futuro. Se alguém voltar no tempo para matar o próprio avô, não vai conseguir (a arma não dispara, o avô não toma o veneno e assim por diante).
Outra é que, a cada mudança que se faz no passado, é criada uma nova linha do tempo, um universo paralelo. No filme Primer (2004), escrito, dirigido e estrelado por Shane Carruth, funciona assim.
James Gleick não cita Primer, um longa-metragem de ficção científica que custou somente US$ 7 mil. Nesse filme, a viagem no tempo tem algumas regras. Não é possível voltar para antes da criação da máquina.
Os inventores procuram intervir ao mínimo no passado (no começo, ficam escondidos num quarto de hotel para investir em ações), mas, mesmo assim, consequências maiores são inevitáveis.
São tantas linhas do tempo paralelas que existem gráficos e discussões intermináveis na internet sobre o que realmente acontece no filme.

A sombra vinda do tempo

Outra história não citada por Gleick é o conto “A sombra vinda do tempo”, publicada em 1936 por H.P. Lovecraft.
Lovecraft fala de uma raça alienígena capaz de viajar no tempo ao trocar de consciência com seres que vivem noutra época e noutro lugar.
Em seu livro, Gleick escreve que, talvez, nossas consciências sejam capazes de viajar somente numa direção temporal, mas que passado, presente e futuro podem existir de uma só vez, assim como o espaço.
Mas teríamos dificuldade de transitar na tempo, assim como criaturas bidimensionais teriam para se mover na terceira dimensão. O filme A chegada (2016), dirigido por Denis Villeneuve, trata um pouco disso.
Ou como disse o físico John Wheeler (e também o cineasta Woody Allen): “Tempo é a maneira que a natureza encontrou para impedir que tudo aconteça de uma vez só”.


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