Como criar significado num mundo repleto de ideias

Ideias: A Nest revolucionou o mercado com um novo significado / Patrick Haney
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A Nest revolucionou o mercado com um novo significado / Patrick Haney
A Nest revolucionou o mercado com um novo significado / Patrick Haney

“Todos são criadores de significado. Criamos significados por meio das pessoas que amamos. Mas também os criamos com a humildade e responsabilidade do trabalho cotidiano. Cada um de nós, com sua profissão, gera produtos, serviços e eventos que carregam significado à vida das pessoas. Podemos trazer felicidade, aliviar a dor, abrir novas oportunidades. Além de nossa própria percepção, cada um de nós tem impacto na vida dos outros com a visão que cultivamos e as novas coisas que propomos.”

Essa é a introdução do livro Overcrowded, do professor italiano Roberto Verganti.

Ao me deparar com esse trecho, fiquei pensando no que viria na sequência.

Afinal, estamos falando de uma obra no campo da gestão da inovação e, à primeira vista, o texto mais se parecia com algo na linha da autoajuda. Mas o texto traz uma reflexão sobre qual o real sentido de inovar.

O livro me fez refletir em alguns pontos. Vivemos num mundo repleto de ideias. O que as pessoas buscam são novos significados.

Aliás, ele enfatiza que na história da humanidade essa busca sempre existiu, mas que nunca foi tão relevante quanto no atual momento.

Saco ambulante de problemas

Carlos Loureiro, da Pieracciani / Divulgação
Carlos Loureiro, da Pieracciani / Divulgação

Cercadas de opções, em um mundo em que tudo é possível, a grande questão na vida humana não está ligada ao como, mas ao porquê, ele arremata.

As atuais teorias da inovação, segundo Verganti, por mais que sejam rotuladas como guiadas pelo consumidor, continuam, em sua grande maioria, guiadas por necessidades e sugerem que vejamos o cliente como um “saco ambulante de problemas a solucionar”.

Ele propõe que é preciso admitir que, embora essas teorias sejam tecnicamente humanas, são em seu âmago desumanas, por tratarem as pessoas como seres, sem entenderem que o que torna esses seres humanos é a busca por significado.

As atuais teorias têm sua importância na medida em que buscam solucionar problemas, o que exige uma atitude asséptica, impessoal, uma mente livre de julgamentos e pré-concepções de valores pessoais.

Mas, ainda assim, só conseguem solucionar problemas alheios. Criar significado, entretanto, exige muito mais, a começar pela avaliação de nossos próprios valores, aquilo em que se acredita, pela nossa própria visão de mundo.

Se nós mesmos não conseguirmos amar o que estamos produzindo, como podemos querer que o ser humano a quem estamos ofertando algo possa amar esse produto ou serviço?

É a busca por significado que nos dá a chance de não só resolver problemas e inovar, mas inovar por um novo rumo que acreditamos ser o mais significativo para as pessoas e este mundo.

O significado é o que nos liga aos destinatários de nossas criações. É como um presente que alegra e realiza tanto a nós que o oferecemos, quanto a quem o recebe, pois, esse ato nas suas duas extremidades está repleto de significado.

Os dois tipos de inovação

Independente de estarmos falando de produtos, serviços, processos ou modelos de negócios, temos que considerar dois níveis de inovação:

  • A inovação de soluções, que diz respeito a ideias que possibilitam melhorar soluções para problemas existentes, ou seja, um novo como, uma nova maneira de abordar os desafios considerados relevantes em um mercado, mas que, embora propicie melhorias progressivas, vão sempre na mesma direção.
  • A inovação de significado, que envolve uma visão nova, que redefine os problemas a serem abordados, conduzindo a inovação a um nível mais elevado, pois não se restringe a um novo modo, mas, principalmente, a um novo motivo, a uma nova razão para que as pessoas utilizem algo, uma nova interpretação para o que é relevante e significativo em um mercado.

Verganti considera que as duas inovações devem conviver nas práticas da gestão da inovação, mas não esconde sua total entrega ao modelo da inovação de significado e a defende quebrando dois princípios básicos.

O primeiro é que, ao invés da ideação, a inovação de significado nasce de uma visão compartilhada primeiro aos pares e estimula o criticismo em círculos cada vez maiores, começando com participantes internos das organizações, até chegar a ser submetida a crítica de intérpretes externos.

O segundo princípio propõe que a inovação não venha de fora para dentro, começando com o consumidor e pessoas externas, a chamada inovação centrada no usuário, crowdsourcing e inovação aberta.

Ele argumenta que o fluxo da inovação de significado se inicia de dentro para fora, ou seja, de uma visão com propósito gerada internamente nas organizações.

Visão interna

A Nest Labs revolucionou o mercado de termostato com um novo significado, produzido a partir das críticas mútuas de Tony Fadell e Matt Roger.

Resultado: acabou sendo comprada pelo Google por US$ 3,2 bilhões em 2014.

Os empreendedores não buscaram ideias de agentes externos, em vez disso construíram sua visão a partir de si mesmos.

Verganti ainda cita a Yankee Candles. Até a década de 80, as velas serviam para dois objetivos básicos: ser uma alternativa para as quedas de energia e em celebrações devocionais.

O que, então, esperar desse segmento? Que ele simplesmente desaparecesse, mas o que aconteceu de verdade foi um movimento inverso.

As pessoas começaram a comprar mais velas do que nunca. Elas são contemporâneas, significativas e as pessoas as amam.

De acordo com a Associação Nacional de Velas dos Estados Unidos, nove a cada dez consumidores do produto dizem usar velas para deixar o cômodo mais confortável e aconchegante.

É um exemplo claro da importância de adotarem a inovação de significado para romperem com velhos hábitos e olharem por diferentes ângulos.

Lembre-se: não é mais o como, mas sim o porquê que deve reger a inovação. E, assim, voltamos à provocação de Verganti: o que amaríamos que as pessoas amassem?

Esse é o início da inovação que transforma e gera valor para quem a produz e para quem a consome.


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