Quando falamos do alto custo para se tomar crédito no Brasil, há uma pergunta que surge no melhor exemplo do dilema o ovo ou a galinha: a inadimplência é alta por que a taxa de juros nacional é elevada ou os juros são altos por causa da elevada inadimplência? Ou melhor, você paga caro no crédito por que é um mau pagador e traz risco à operação ou deixa de pagar os débitos por que o custo é muito elevado? O fato é que o pagamento (ou a falta dele) é sim algo preocupante na concessão de crédito já que define o risco dos empréstimos e outras linhas de crédito. Segundo o Relatório da Economia Bancária do Banco Central, o principal fator para o spread bancário – diferença entre o custo de captação do crédito e a rentabilidade dos bancos concedendo empréstimos – ser elevado no Brasil é a inadimplência, a falta de pagamento. Em 2017, a inadimplência respondeu por 38,27% do spread bancário. No passado recente, o cenário não é muito diferente tendo a taxa sempre ficado acima de 35%. Quem veio primeiro neste caso típico de ovo e galinha foi a taxa de juros. Mas a inadimplência não é a única vilã desta história. Parte do problema do custo do crédito no Brasil passa por outra questão. A análise de crédito no Brasil, de maneira geral, ainda se prende a questões básicas de renda e histórico negativo do pagador. Poucas são as instituições que analisam, por exemplo, os tipos de gastos que a pessoa tem dentro do orçamento familiar ou mesmo o fluxo de caixa (resultado da diferença entre os ganhos e as despesas deste consumidor no mês).
Tecnologia e informação
O problema de crédito caro passa por uma questão de tecnologia e acesso à informação, pois a maioria das instituições até gostaria de ter uma análise mais aprofundada do perfil do consumidor, mas somente algumas efetivamente têm acesso à vida financeira completa da pessoa para assim conseguir segregar melhor o risco de cada um. Com dados insuficientes para definir e precificar melhor o risco, clientes de diferentes perfis são jogados num mesmo grupo. Essa é a prática comum presente nas mesas de crédito do mercado. Sem saber separar o joio do trigo, a taxa de juros, em geral, é arredondada para cima. Isso significa que quem paga as contas em dia compensa o custo de quem atrasa o pagamento ou se torna inadimplente. Mas e o restante dos motivos? O que explica o spread elevado além da inadimplência? Outro um quarto do spread bancário vem de despesas administrativas (25%), os custos do dia a dia da instituição financeira. Há ainda 22% de tributos e do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e mais 14% de margem financeira, que inclui a remuneração das instituições além de erros e omissões da operação. Quando olhamos o Índice de Custo do Crédito (ICC), o custo da captação tem um impacto de 39% no spread. Isso significa que movimentos macroeconômicos, como a queda da taxa de juros básica da economia, a Selic, ajudam a baratear o custo, mas muito pouco quando falamos de crédito. Mais da metade do custo do crédito se deve a fatores micro como os já citados neste artigo (inadimplência e administração, entre outros).Banco Central
A boa notícia é que os agentes econômicos passaram a olhar com mais cuidado a questão do spread bancário nos últimos anos. A questão do spread entrou inclusive na agenda do Banco Central, e a instituição tem atuado em várias frentes para tentar diminuir o custo do crédito. E eles já perceberam que parte da solução do problema passa não só pelo regime de política monetária com a redução da Selic, mas por pelo menos três outros pontos.Fintechs
O primeiro deles é o incentivo de técnicas mais inteligentes de análise de crédito no mercado, como as que as fintechs de crédito – startups financeiras que analisam pedidos de empréstimo de maneira rápida e eficiente – vêm trazendo. Com custos operacionais menores e modelos mais profundos de avaliação de crédito, as fintechs conseguem oferecer taxas de juros que por vezes até batem a taxa média cobrada no consignado, considerada uma modalidade com baixas taxas de juros. Na linha de crédito consignado privado, a taxa de juros média ficou em 2,9% ao mês em maio enquanto nas fintechs o juro começa em 1,9% ao mês dependendo do perfil do consumidor. Além da tecnologia, a questão da informação assimétrica pode ser mitigada com as mudanças na lei do Cadastro Positivo que, se aprovadas, tornarão automático o compartilhamento de dados entre as instituições financeiras. O histórico do consumidor passará a ser visto não só com o viés negativo, mas também pelo lado positivo – fica evidente a quem está analisando o crédito todas as contas que a pessoa pagou em dia, por exemplo. Dessa maneira, fica mais fácil identificar quem é o bom pagador. O terceiro fator que pode impactar a diminuição da inadimplência e, por consequência, do spread, é a adoção de práticas mais assertivas de cobrança. No fim do ano, entra em vigor uma nova regra que diz que o consumidor que tomar empréstimo tem o poder de decidir se quer ser cobrado por débito automático. Antes, essa decisão do débito recaia sobre a instituição que fazia a operação. A medida pode diminuir a inadimplência já que o dinheiro do pagamento sairá diretamente da conta da pessoa. Assim, a expectativa é que haja diminuição do custo do crédito.Plataformas modernas
A tecnologia nos serviços bancários como um todo tem de ir além da maneira como o cliente consegue consumir suas informações, em novas plataformas ou aplicativos mais modernos. As informações, aliás, têm de começar a ser cada vez mais uma aliada para este consumidor obter serviços mais baratos e alinhados às necessidades. A pergunta que as instituições deveriam fazer não é mais quanto a pessoa quer pegar emprestado, mas quanto ela precisa e quanto pode pagar por isso.- Thiago Alvarez é CEO do GuiaBolso