Por que a Gazeta do Povo decidiu trocar o papel pelo digital

A Gazeta do Povo vai deixar de publicar o jornal impresso diário em 1º de junho / Daniel Castellano/Divulgação
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A Gazeta do Povo vai deixar de publicar o jornal impresso diário em 1º de junho / Daniel Castellano/Divulgação
A Gazeta do Povo vai deixar de publicar o jornal impresso diário em 1º de junho / Daniel Castellano/Divulgação

Imagine uma publicação feita digitalmente. As pessoas usam computadores e câmeras digitais para produzir fotos e textos e software para diagramá-la.
Depois de pronta, ela roda numa gráfica para ser distribuída de caminhão. Faz sentido? Se fosse para inventar um produto assim hoje, nenhum. Mas, por questões históricas, às vezes ainda faz.
A Gazeta do Povo, do Paraná, tomou uma decisão corajosa neste ano e resolveu cortar a edição impressa diária, que circula pela última vez na quarta-feira (31/5).
Desde de setembro do ano passado, o foco passou a ser o digital e o jornal impresso vai se resumir a uma edição semanal para a Grande Curitiba, com papel melhor e mais parecida com uma revista.
“Estamos num momento em que a gente ainda pode escolher o melhor caminho”, afirma Leonardo Mendes Jr., diretor de redação da Gazeta. “Tenho certeza de que este é o melhor passo para nós, no nosso mercado.” 

Transformação digital

Muito se fala em transformação digital, e de como ela é importante para todas as indústrias. No setor de jornais e revistas, no entanto, as empresas têm sido obrigadas a mudar rapidamente.
A crise do impresso já vem do fim do século passado, mas ela se acentuou muito nos anos recentes, com perdas aceleradas de leitores e de receita publicitária.
Quando eu estava na faculdade de jornalismo, no começo da década de 1990, a Folha de S. Paulo tinha uma propaganda em que se chamava “Folhão do Milhão”, pois tirava 1 milhão de exemplares aos domingos.
Atualmente, tem uma tiragem de 305 mil, sendo que mais da metade são assinantes digitais. Ou seja, em duas décadas e meia, perdeu 85% da circulação.
No ano passado, os jornais brasileiros registraram queda de 9,5% no faturamento, que ficou em R$ 15,2 bilhões, segundo a Kantar Ibope Media.

Centavos digitais

Nos Estados Unidos, é comum as pessoas falarem em “centavos digitais e dólares tradicionais”, referindo-se ao pouco dinheiro que existe na publicidade digital, quando comparada ao papel ou à televisão.
Além de a audiência digital ser muito barata, a maior parte do dinheiro dessa área vai para o Google e o Facebook, que são hoje as duas maiores empresas de mídia do mundo, segundo a Zenith.
Juntas, os dois gigantes da internet têm 20% das receitas publicitárias mundiais (digitais ou não). O Grupo Globo, maior do Brasil, está 19.º lugar nessa lista.
Além de a remuneração digital ser baixa, é muito difícil (se não impossível) bater o Google e o Facebook.
Por causa disso, a Gazeta do Povo resolveu adotar um modelo de negócios que privilegia as assinaturas.
“Atualmente, 70% das nossas receitas vêm da publicidade e 30% do mercado leitor”, afirma Ana Amélia Filizola, diretora da Unidade de Jornais do GRPCOM, que controla o jornal. “Queremos inverter esses percentuais, com 70% vindos do mercado leitor e 30% da publicidade.”

Modelo de negócios

É uma aposta ousada, num modelo de negócios que ainda não está provado no mundo.
Jornais e revistas de economia e negócios, como Economist, Financial Times e Wall Street Journal, conseguem viver bem de assinaturas, mas, para publicações de interesse geral, é um desafio.
O New York Times tem tido um sucesso inicial nessa direção, mas ainda não é possível, mesmo no caso deles, dizer se é o modelo é sustentável.
No ano passado, 56% dos US$ 1,555 bilhão que faturou o jornal norte-americano vieram de assinaturas. Mesmo assim, somente 15% do faturamento total foram resultado de assinaturas digitais.
Até agora, a Gazeta do Povo conseguiu converter 92% dos assinantes do papel para o digital. Esse número está bem acima da expectativa inicial, que era de 60%.
O jornal diário tirava cerca 45 mil exemplares no domingo. O impresso semanal, com circulação restrita à Grande Curitiba, deve tirar entre 20 mil e 25 mil.
As metas da Gazeta do Povo para assinatura digitais são ambiciosas. Eles querem chegar ao fim de 2019 com 300 mil assinantes.

Clima da empresa

Internamente, o processo de transformação é chamado travessia. “Agora que mostramos às pessoas para onde vamos, o clima na empresa mudou”, afirma Filizola.
Por conta da crise do setor, que se soma à situação geral da economia em geral, o clima nas redações brasileiras costuma ser ruim. Atualmente, a redação da Gazeta do Povo tem 124 pessoas.
“Abrimos os indicadores para quem trabalha no jornal”, conta Axeu Aislan Beluca, líder de marketing da Gazeta do Povo. “Procuramos criar um clima de startup.”
Com o fim do impresso diário, a Gazeta do Povo se desfez da gráfica e vai mudar em breve para um novo endereço, com um ambiente aberto que não separa as áreas do jornal, como um startup.
Ou como se a empresa toda fosse uma grande redação.
A experiência da Gazeta do Povo é acompanhada de perto por grandes jornais brasileiros e da América Latina.
“É como se todo mundo tivesse em volta de uma piscina com receio de entrar, de a água estar fria”, compara Mendes Jr. “Nós resolvemos pular primeiro.”


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