A educação a distância substituirá a educação tradicional em alguns anos? É possível ter uma boa formação sem encontrar pessoalmente o professor? Até onde vai o uso da tecnologia para adquirir conhecimento?
Essas são apenas algumas das questões que surgem com a aplicação crescente da tecnologia à educação, e o mercado deve receber um forte impacto nos próximos anos.
É o que pensa Juan Lucca, vice-presidente de vendas para a América Latina da D2L, empresa criada no Canadá que fornece plataformas de educação a distância.
A D2L chegou ao Brasil há quatro anos e tem entre seus clientes instituições de ensino como a Fundação Getúlio Vargas e a Unigranrio.
A seguir, confira trechos da entrevista sobre os desafios da educação a distância.
A educação a distância tem crescido na América Latina?
Sim, e existe uma razão fundamental para isso. Há uma diferença muito grande na dinâmica da educação da América Latina e da América do Norte e Europa. Basicamente, o que acontece aqui é que a demanda pela educação é muito maior que a oferta. Tem muito mais pessoas querendo ir para escola que escola que ofereça bons cursos e bons professores. E, por causa disso, nos anos 1990 e início de 2000 houve uma grande explosão do que chamamos de “universidade de garagem”.
Como assim?
O que acontece em qualquer mercado quando a demanda é muito maior que a oferta? A qualidade da oferta sofre. Foi o que aconteceu na América Latina. A qualidade da educação não é boa por conta dessas universidades que surgiram para suprir a demanda.
O que a educação a distância pode melhorar nesse aspecto?
A educação a distância pode dar boa educação ao diminuir a lacuna entre demanda e oferta. Com uma boa parceria com instituições certas, conseguimos dar boa educação, expandir esses programas para pessoas que não têm chances de conseguir se educar de forma tradicional. Porque, na realidade, a tecnologia é só o facilitador, a educação de qualidade é de responsabilidade da instituição, dos professores e da pedagogia adotada.
Quais são as consequências disso?
Dar uma educação melhor para a população ajudará a desenvolver profissionais melhores. A América Latina está crescendo muito rápido nos últimos anos e eu acredito que Brasil e Colômbia serão os dois países que mais ganharão com a educação a distância na América Latina.
As empresas brasileiras têm usado as plataformas de educação a distância?
Sim. A iniciativa é muito interessante, porque tipicamente as empresas têm usado educação como complemento a políticas e procedimentos, mas, nos últimos 10 anos, a base da economia mudou bastante. Elas perceberam que precisavam usar a educação para se tornarem mais competitivas, não mais como um complemento de uma atividade interna. Essa consciência despertou um novo desafio de transformar os profissionais em alunos, colocando-os numa sala de um curso por uma semana, por exemplo, mas isso custa muito dinheiro. É nesse cenário que a educação a distância se torna um benefício valioso para eles tanto em questão de custos, pois fica muito mais barato, quanto de tempo, pois o profissional pode definir o melhor horário para estudar. É uma solução que cresce rápido globalmente. As empresas tem entendido que o treinamento ganhou importância agora e que há um jeito de fazê-lo de forma efetiva, com custo baixo e de forma bem pessoal.
O senhor acha que os brasileiros confiam na educação a distância?
Não é uma questão só dos brasileiros, é global. Pessoalmente, acredito que a educação é um meio de transformação. A indústria musical, por exemplo, mudou muito nos últimos anos. Os artistas continuam tocando e compondo do mesmo jeito, mas o que realmente mudou é como as pessoas compram música. No meu tempo, se eu gostasse de uma música, teria de comprar todo o LP. Com a tecnologia, posso comprar só a música que eu quero, mas se alguém dissesse isso há 10 ou 15 anos acharíamos que seria mentira e que isso nunca aconteceria. A indústria de música mudou porque o comportamento do consumidor mudou. Eu acho que vai acontecer a mesma coisa com a educação.
Como o senhor acha que isso vai acontecer?
Temos o jeito tradicional, de ir a universidade e cursar quatro ou cinco anos e então ir para o mercado de trabalho para tentar encontrar um emprego. Acho que a tecnologia possibilitará no futuro escolher exatamente o que se quer aprender. Então, será possível decidir não fazer um curso de cinco anos e terminar antes, em seis meses. Ou então aprender outras coisas que não são necessariamente do curso, como macroeconomia, ou pegar aulas de outra universidade, para complementar o curso nesse programa. Acho que a tecnologia será a ferramenta para um novo sistema de educação, em que pessoas realmente vão desenvolver suas competências. Porque uma das coisas que vemos globalmente e que acontece muito nos Estados Unidos são jovens que não têm dinheiro para pagar uma faculdade e têm de procurar emprego sem as competências que o mercado pede. Com esse novo jeito que a tecnologia proporciona, mais pessoas poderão desenvolver essas competências que o mercado pede e encontrar trabalhos melhores.
A educação presencial tem anos de história e de pesquisa. Como enfrentar essa cultura?
Acho que isso não vai mudar. Apenas vai se tornar mais prático. A educação a distância pode ser usada numa sala de aula presencial, combinada a modelos tradicionais ou totalmente online. A tecnologia já tem um espaço na educação tradicional. Acredito que ela vem para acrescentar, dar essa educação de competências que podem ser personalizadas a cada aluno. É fato, os estudantes mudaram muito nos últimos 20 anos. Antes, todos iam para universidade, passavam cinco anos estudando e se formavam com os amigos na mesma idade. Hoje 28% dos estudantes têm essa vida, enquanto 72% são pessoas que trabalham, têm altas responsabilidades durante o dia e precisam do desenvolvimento de competências bem específicas. Se entendermos a mudança que acontece nos estudantes, nós entender o porquê de a educação ter de ser mais pessoal e acontecer de maneiras diferentes.
O senhor pode dar um exemplo?
Dificilmente uma mãe que tem de trabalhar conseguirá terminar um curso universitário em quatro anos. E assim é possível dar a ela uma forma dela aprender no seu tempo livre e do melhor jeito possível. Tem gente que é mais visual, é melhor em vídeos, tem gente que gosta de ler muito, então a educação vai se adaptar à forma de conhecer de cada um. Podemos fazer um pequeno teste sobre alguém e imediatamente identificar quais competências essa pessoa pode desenvolver. Ela vai confirmar o interesse nessas competências, criamos a melhor forma de ela aprender isso e o conteúdo será adaptado de acordo com o que ela quer.
Aqui no Brasil temos muitos problemas com a conexão da internet. Como é possível ter uma boa educação totalmente online aqui?
Ouvimos bastante que o Brasil e os demais países da América Latina possuem esse problema, porém não é um problema real. Quer dizer, conseguimos trabalhar com isso. Precisamos pensar em perspectiva. Na América Latina e no Brasil existe um fenômeno de superpopulação em pouquíssimas cidades e existe muito menos gente morando nas outras cidades. Nessas grandes cidades existe uma boa infraestrutura. Entendo que em lugares no Amazonas, por exemplo, não há internet e temos de ter uma alternativa para trabalhar nesses ambientes. Desenvolvemos uma solução em que as pessoas podem fazer muitas atividades offline e, quando conseguirem conexão, podem enviar o que foi feito. Entendo que essa é mais uma questão política do que um desafio da tecnologia. Se for interessante para os políticos a livre educação, eles poderiam tornar isso possível. Tenho visto isso acontecer na Colômbia, no Peru. Acho que o problema e a solução para Brasil e demais países da América Latina é a educação.
Como o senhor vê a importância da educação na atual situação econômica do Brasil?
Eu totalmente acredito que este momento econômico, quando infelizmente aumenta o desemprego, é um tempo perfeito para as pessoas se dedicarem à educação. Quando alguém está desempregado e não consegue um trabalho, o que acontece? Tipicamente, quando há mais pessoas disponíveis a competição aumenta. Não dá pra achar um trabalho como há cinco anos quando havia um único candidato. Agora alguém concorre com mais 15 que estão mais bem preparados que ele. É preciso refletir quais competências são necessárias melhorar para aumentar a competitividade de cada um no mercado de trabalho. Há um monte de programas onlines de boas universidades disponíveis para isso. Encorajo as pessoas a repensarem o que elas podem fazer para ter vantagens no mercado e como a tecnologia pode ajudá-las a ter uma educação barata e de qualidade.