Com o clássico O dilema do inovador, publicado em 1997, Clayton Christensen, professor da Escola de Administração de Harvard, explicou ao mundo o conceito de “inovação rompedora” (“disruptive innovation”, que as pessoas por aqui insistem em traduzir como “disruptiva”).
Recentemente, sua teoria da ruptura tem recebido ataques. Andrew King e Baljir Baatartogtokh publicaram em setembro um artigo na MITSloan Management Review, em que analisam 77 casos estudados por Christensen e seus coautores, a partir de quatro características do que seriam “inovações rompedoras”, e chegam à conclusão de que somente 9% dos casos se enquadram nos quatro pré-requisitos.
Antes disso, a historiadora Jill Lepore já havia criticado a teoria de Christensen na revista New Yorker.
Clayton Christensen esteve este mês em São Paulo, para o evento HSM ExpoManagement 2015. Eu havia pedido para marcar uma conversa e tratar dessa polêmica, mas o professor declinou.
Ele me mandou o link para uma entrevista que havia dado ao Boston Globe e acrescentou: “Em dezembro, a Harvard Business Review publicará um novo artigo pesquisado e escrito por mim com dois colegas, e acredito que irá detalhar de forma mais completa o estado da inovação rompedora hoje e o valor da teoria por trás dela”.
Pois o artigo já está online e se chama O que é inovação rompedora?.
Uber e Tesla não são ‘rompedores’
Christensen e os coautores Michael E. Raynor e Rory McDonald escrevem que a teoria da ruptura corre o risco de se tornar vítima do próprio sucesso. As pessoas passaram a usar o termo inovação rompedora para qualquer ocasião em que a dinâmica de um mercado é mudada pelo surgimento de um novo entrante. “Na nossa experiência, muitas pessoas que falam de ‘ruptura’ não leram um livro ou artigo sério sobre o assunto”, acrescentam.
Eles definem inovação rompedora da seguinte forma:
‘Ruptura’ descreve um processo em que uma empresa menor, com menos recursos, é capaz de enfrentar com sucesso companhias dominantes estabelecidas. Especificamente, conforme as empresas dominantes focam em melhorar seus produtos e serviços para os clientes mais exigentes (e normalmente mais lucrativos), elas acabam por ultrapassar as necessidades de alguns segmentos e ignorar as necessidades de outros. Entrantes que se mostram rompedoras começam a endereçar com sucesso esses segmentos mal atendidos, e ganham espaço ao oferecer funcionalidade mais adequada – frequentemente a um preço menor. As dominantes, ao procurar lucratividade mais alta em segmentos mais exigentes, tendem a não responder com vigor. As entrantes então se movem mercado acima, oferecendo a performance que os principais clientes das empresas dominantes exigem, ao mesmo tempo em que preservam as vantagens que garantiram seu sucesso inicial. Quando os clientes principais começam a adotar a oferta dos entrantes em volume, a ruptura aconteceu.
Um dos exemplos dados pelos autores é a Netflix, que mudou a forma como as pessoas consomem vídeo em casa e tirou do mercado uma gigante como a Blockbuster. Eles explicam que os principais clientes da Blockbuster estavam interessados em lançamentos, e alugavam por impulso.
A Netflix começou como um serviço de aluguel de DVDs pelo correio. Quem queria o lançamento da semana não conseguiria na Netflix, pois os filmes demoravam dias para serem entregues. Ao mesmo tempo, o serviço da Netflix era mais barato, mais cômodo e oferecia um catálogo maior do que uma loja típica da Blockbuster. E, quando a tecnologia permitiu que a Netflix distribuísse seu catálogo online, ela passou a ser atrativa para o cliente típico da Blockbuster.
Um ponto importante nesse caso, destacado pelo autores, é que a inovação rompedora é um processo, que acontece no tempo, e que pode levar anos para dar resultado.
Seguindo esse ponto de vista, Christensen e seus coautores argumentam que o Uber não é uma inovação rompedora em relação aos táxis, pois oferece um serviço equivalente para os clientes principais dos taxistas. O aplicativo traz mais conveniência e facilidades, e pode ser considerado então uma inovação sustentadora.
Da mesma forma, a Tesla não pode ser considerada uma inovação rompedora, pois tem como alvo os consumidores de carros de luxo. A montadora não foi atrás de uma fatia de mercado mal atendida.
Uma prova disso, destacam os autores, foi a reação imediata das empresas dominantes, que retomaram investimentos em carros elétricos assim que a Tesla apareceu. Normalmente, as companhias dominantes tendem a não prestar a devida atenção às inovações rompedoras no início do processo.
Os autores apontam o iPhone, da Apple, como uma inovação sustentadora em relação aos outros celulares (uma melhora em relação ao que já existia) e rompedora em relação ao computador pessoal (já que criou uma nova forma de usar aplicativos e de navegar na internet).
Como os autores destacam, muitas pessoas usam, erroneamente, a expressão “inovação rompedora” para classificar qualquer tipo de inovação que as ajudem a justificar um argumento.
Apesar de não responder diretamente às críticas, o artigo sumariza de forma clara o estado atual da teoria.
Lê-lo é se sentir um pouco como o personagem de Woody Allen na fila de cinema do filme Noivo Neurótico, noiva neurótica. O cara do lado está falando besteiras sobre Marshall McLuhan e Allen vira para Diane Keaton e diz: “Esse cara não sabe nada sobre McLuhan”. O cara responde: “Claro que sei, dou aula sobre McLuhan “. Então Allen vai até um canto e traz o próprio McLuhan, que confirma: “Você não sabe nada sobre meu trabalho”. E Allen conclui: “Se fosse fácil assim na vida real!”