Às 14 horas, a Avenida Paulista, em São Paulo, está borbulhando. O número de pessoas que andam depressa se compara à quantidade de negócios acertados nos prédios da região. De bancos a representação de governos, tudo acontece por lá.
A 400 metros da avenida, novas empresas buscam networking e contratos num prédio moderno de seis andares.
Inaugurado em junho do ano passado, o Google Campus tornou-se espaço-chave de encontros entre startups e investidores.
Mas, se por algum motivo um desavisado entrasse no terceiro andar do prédio, na tarde de sexta-feira (10/2), poderia achar que havia ali grupos de estudantes prestes a apresentar uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado.
Judite e Procópio
O nervosismo aparente e o olhar fixo à tela do computador em nada combinavam com a decoração do andar destinado aos programas de aceleração da Startup Farm.
A decoração divertida e colorida transforma o espaço em uma mistura de escritório – com salas de reuniões interativas – e casa – com cozinha com café à vontade e sala de estar com um grande e confortável sofá cinza.
Ao lado do sofá, há cartões de visitas com os contatos de empreendedores ansiosos.
Eles dividem uma cômoda com a Judite – a simpática vaquinha mascote da aceleradora – e o Procópio – um unicórnio de brinquedo, uma lembrança sutil do motivo de eles estarem lá.
O unicórnio tornou-se sinônimo de startup com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão. Uber e Airbnb são exemplos desses seres mitológicos. Até o momento, ainda não surgiu nenhum unicórnio brasileiro.
Mas o cenário parece estar mudando a favor do Brasil. O perfil do empreendedor brasileiro mudou com a crise dos últimos anos. E alguns especialistas arriscam que para melhor.
“As equipes de startups estão muito mais maduras”, explica Alan Leite, presidente da Startup Farm. “Antes elas eram formadas por jovens recém-formados e agora contam com a presença maciça de executivos com 20 ou 30 anos de experiência.”
Alan é um dos responsáveis por ajudar as sete fintechs que estão ali, concentradas, a conquistarem mercado daqui alguns meses.
Ahead Visa
As startups participam do Ahead Visa, o primeiro programa da Visa em parceria com a aceleradora. Dividido em três etapas, acontece durante 25 semanas.
A programação normal inclui várias horas para avaliar, testar, remodelar, testar novamente e discutir a ideia da startup.
Todos os dias a startup participa de mentoria, conversa com membros da aceleradora e debate seus problemas com o executivo da Visa que a apadrinhou.
Nesse período, ninguém pode trabalhar noutra empresa que não a startup. É comum, portanto, que o dinheiro aperte, o cansaço aumente e o estresse seja um parceiro constante.
“Não posso dizer que é tranquilo, mas com certeza tem valido a pena”, conta Caio Zenatti, presidente da Banco de Formaturas, uma das aceleradas.
Hora do almoço
O dia dele pode ser ainda mais puxado que o dos executivos da Paulista.
Caio chega por volta das 9 horas ao Google Campus, resolve os problemas na plataforma que já está rodando no mercado, participa das mentorias e faz constantes reuniões com os outros seis funcionários.
Para ele, nada é mais sagrado que a hora do almoço. “É um ótimo momento para fazer uma reunião de negócios”, diz.
Quando ele não consegue marcar reuniões para o horário, não há outra opção: é preciso comer depressa e voltar para o Campus. Num mundo de startups sem investimentos, não dá para esperar muito.
“A minha sorte é que a minha esposa é compreensiva”, afirma, antes de fazer uma longa pausa. “Bem, é claro que ela gostaria que eu jantasse com ela mais vezes, mas ela sabe que isso é meu sonho.”
As atividades das startups aceleradas costumam acabar bem tarde, muitas vezes de madrugada. Em dias considerados por eles como tranquilos, as equipes só retornam para casa por volta das 21 horas.
Momento do pitch
A dedicação pode até parecer exagerada, mas é totalmente compreensível. As fintechs são vistas como revolucionárias no setor de finanças, mas precisam de muito apoio, principalmente financeiro, para tirar a ideia do papel.
Captar recursos não é tarefa fácil. Por isso, durante toda a programação da Ahead Visa, as tardes de sexta-feira são destinadas ao pitch – momento para mostrar se realmente aprenderam com as conversas durante a semana.
Para isso, um membro de cada empresa tem exatos quatro minutos para apresentar a sua ideia na tentativa de convencer que, naquele dia, a sua startup seria a melhor para se investir.
Engana-se, no entanto, quem acha que a plateia-teste de cada semana é formada apenas pelos colegas de trabalho.
“Nós convidamos parceiros e investidores que dão feedbacks reais para as startups. Isso aqui é algo sério. É o sonho deles, mas também é negócio”, explica Rodrigo Gazzinelli, responsável na Startup Farm pelo contato dos empreendedores com as grandes companhias do mercado.
Banca de avaliação
No auditório, localizado no térreo, aos poucos chegam os acelerados.
Nervosos, aguardam a apresentação da banca que os avaliará naquela tarde. Entre eles estão Sérgio Herz, presidente executivo da Livraria Cultura; Alan Leite, presidente da Startup Farm; e o convidado surpresa do dia, Fernando Teles, diretor geral da Visa no Brasil.
Na plateia, outras pessoas se apresentam. No lugar de pais ou cônjuges que serviriam de apoio, estão representantes da IBM, Oracle, Hospital Albert Einstein e executivos de peso da Visa Brasil.
Ao fim de cada apresentação, os empreendedores são ovacionados pelos colegas. A aprovação parece ser unânime e, se depender dos concorrentes, todos ali saem unicórnios.
Esse sentimento não é necessariamente compartilhado por quem está na banca.
Nos cinco minutos seguintes, os executivos bombardeiam as startups com questionamentos e observações. Segundo a regra, as startups não podem responder às provocações.
Ficam ali, calados, ouvindo e gravando os comentários para tentar melhorar para a próxima semana.
Tensão e cansaço
A tensão está estampada na cara de cansaço de todos os participantes. Antes da pausa para a reunião da banca, há uma análise final dos executivos convidados.
“A última vez que nos vimos, foi no dia da seleção para ingressar no curso”, diz Fernando Teles, ao começar o discurso de conclusão da banca para as apresentações do dia. “Vim esperando uma evolução muito maior, mas vi pouca diferença.”
Algumas cabeças balançam em sinal de reprovação, outras baixam em sinal de desânimo e outras apenas tentam passar tranquilidade. “Fazer o quê?”, pergunta um. É hora de esperar a avaliação final.
Todos retornam ao terceiro andar para comer e conversar. A banca está isolada por alguns minutos numa sala de reunião para decidir, tendo como base uma série de critérios, as três melhores apresentações no dia.
Às 17h25 alguém sai da sala de reunião com um dos braços apontando para o alto. Sucessivos braços vão sendo levantados pelo andar, como uma “ola” orquestrada a medida que aumenta o silêncio.
O sinal, criado pela Farm, é como o famoso “shhhhiii” para pedir que todos fiquem calados, mas de um jeito mais simpático. Em pouquíssimos segundos, as conversas cessam. Eis um forte reflexo de que um braço levantado realmente funciona.
Startups escolhidas
A startup Kavod Lending ficou em terceiro lugar no dia. O presidente respira aliviado ao soltar um “finalmente!” que é quase abafado por uma série de aplausos.
Se alguém tivesse acabado de voltar do banheiro, juraria ter ouvido o anúncio do primeiro lugar.
A Vérius é a segunda a startup a comemorar, dessa vez, de forma mais tímida.
O anúncio do primeiro lugar vem precedido de introdução que entrega de cara quem foi a vencedora do dia: “And the winner is…”
Paykey.
A startup israelense que quer oferecer transferências de valores por qualquer aplicação que use teclado é a única representante internacional do grupo.
Com atuação crescente no exterior, teve dificuldades de entrar no mercado brasileiro e, por isso, optou por se inscrever no processo de aceleração.
Era um jeito de ficar conhecida no Brasil, mesmo que já fosse reconhecida internacionalmente.
A cara de “eu já sabia” de muitos entrega o favoritismo. É nesse momento que, finalmente vemos os sorrisos e brincadeiras.
Happy hour
O ranking das apresentações não agrega pontos ao programa. Funciona apenas como um teste para dizer quem, hoje, estaria mais apto a receber investimentos.
Um pouco mais relaxado alguém lembra que sexta é o tradicional dia de happy hour. Nesta semana, a responsável por organizar o evento é a equipe do Vérius.
“Não se esqueçam que precisamos se inscrever pelo site”, lembra o presidente da startup responsável, num clima totalmente diferente do visto até então. “Hoje vamos rodar por três bares da Augusta antes de parar numa balada. Começamos às 23 horas.”
Alguém reclama por não saber em qual balada seria. “Vocês ainda não aprenderam que, sem saber o nome direito, a balada na Augusta é um risco?”
Ninguém responde. É hora de jogar os copos de suco no lixo reciclável, engolir o último pedaço de sanduíche e voltar para a mesa de trabalho.
No caminho de volta, alguém para e ajeita o Procópio, o unicórnio, em seu cantinho especial da sala. Tinha caído no meio de tanta empolgação.
Aos poucos o silêncio retoma o ambiente. Ainda faltam 6 horas de trabalho antes da diversão e eles estão dispostos a encará-las.