Em 2015, o oceano de calma, tranquilidade e conexões do Facebook foi abalado. Nesse ano, descobriu-se que a rede social, comandada por Mark Zuckerberg, era mais do que uma plataforma para conectar pessoas. Ela poderia ser, também, o abismo sem fim para a privacidade digital de cada um.
Na época, revelaram que dados de usuários estavam sendo direcionados à Cambridge Analytica. Essa era uma empresa inglesa que traçava estratégias de publicidade direcionada e que trabalhava para campanhas políticas.
Toneladas de informações, precisas e pessoais, serviriam para que empresas pudessem mexer com o comportamento de clientes. Ou, pior, com o ânimo de eleitores em questões importantíssimas, como o Brexit inglês.
E é nesse assunto que se debruça o documentário Privacidade Hackeada, que acaba de chegar ao catálogo da Netflix com o selo de produção original.
Dirigido por Jehane Noujaim (do excelente A Praça Tahrir) e pelo estreante Karim Amer, o longa traz informações detalhadas sobre os bastidores desse escândalo que manchou a imagem da rede social de Mark Zuckerberg.
E que, além disso, suscitou discussões profundas sobre democracias, manipulação, valor dos dados e outras coisas do tipo.
O jornalismo
Primeiramente, o que chama a atenção é que esse é o primeiro documentário realmente acessível sobre o tema. Afinal, ele mergulha no vazamento de dados e o que pode ser feito com tanta informação.
Mas também traz detalhes que ajudam o público a se situar e a entender como todo esse processo foi armado.
Mesmo quem entende pouco de redes sociais ou do funcionamento geral da internet vai compreender como se deu a criação do escândalo de dados. Tudo é bem explicado e contextualizado antes do cerne da questão.
Além disso, quando vai além, a qualidade do documentário se mantém. Privacidade Hackeada consegue falar com os principais pilares desse escândalo.
É a funcionária que cansou de ver os excessos cometidos pela Cambridge Analytica. É o rapaz que reclamou de como os dados eram usados pela primeira vez. São especialistas no tema. Além de importantes ativistas digitais e a própria jornalista inglesa que vazou toda essa história.
Positivamente, o filme também logo assume que tem um lado, uma posição. Assim, encara o que o Facebook e a Cambridge Analytica fizeram como algo criminoso. Inclusive, indaga como poderemos viver em um mundo de fato democrático depois do vazamento de informações tão valiosas.
O filme
No entanto, vale ressaltar que Privacidade Hackeada é uma boa peça jornalística, de informação. Quando se pensa na qualidade de filme, algumas coisas se perdem.
Ao longo de seus 113 minutos, falta de um roteiro coeso, escrito por Amer, Erin Barnett (The Memory of Fish) e Pedro Kos (The Crash Reel).
Há uma troca muito constante na maneira que a produção aborda o seu objetivo central, tornando difícil manter um acompanhamento emocional.
Assim, por vezes, é a história do ciberativista David Carroll, em outras o foco é a delatora Brittany Kaiser e por aí vai. No final, a sensação é de que nenhum dos arcos foi concluído, de fato.
Além disso, falta mais sensibilidade cinematográfica por parte de Jehane Noujaim e Karim Amer. Parece que, em determinados momentos, elas se lembram apenas de usar o antigo formato de depoimento e imagem de arquivo numa sequência sem fim. Com tanto conteúdo, poderiam ter ido além.
Privacidade hackeada e seu fim
Apesar dos problemas cinematográficos, porém, Privacidade Hackeada continua valendo como um produto necessário para a geração das redes sociais.
É preciso trazer o assunto da privacidade à luz do grande público, indo além das discussões técnicas e de pequenos grupos. É preciso que todos saibam e, principalmente, entendam.
Por mais que o filme da Netflix pudesse ter sido mais atraente, a informação necessária está lá. O conteúdo vai trazer a discussão necessária.
E o público, enquanto isso, pode ir além. Não é preciso pensar e refletir apenas em cima da falta de privacidade na internet.
E a democracia? E as eleições? Será que tudo está bem, apenas com o fim da Cambridge Analytica e com as desculpas de Zuckerberg? Ou será que os dados simples flutuaram para outro lugar?
Por isso é importante ter filmes assim. Só discutindo, pensando e refletindo sobre casos passados que é possível compreender melhor o presente. E, quem sabe, o futuro.