Os atuais indicadores que medem a qualidade dos serviços de telecomunicações, definidos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), podem ser considerados, ao mesmo tempo, excessivos e insuficientes.
Excessivos porque geram um alto custo para as operadoras, que precisam manter e reportar mais de uma centena deles.
Insuficientes porque não são poucos os consumidores insatisfeitos com a qualidade dos serviços.
A expectativa do setor é de que a Anatel promova uma mudança para indicadores mais simples e mais efetivos nos próximos meses.
Durante o evento Futurecom, na semana passada, o novo presidente da Anatel, Juarez Quadros, mostrou que a revisão dos indicadores está nos planos da agência.
Segundo Quadros, técnicos da Anatel estudam a adoção de indicadores que reflitam melhor como a qualidade do serviço é percebida pelo consumidor.
“A Anatel tem especialistas em qualidade percebida. E, se for necessário, também contaremos com a tecnologia para ajudar os especialistas na concepção dessa modelagem. A ideia é de que o próprio consumidor efetivamente faça a avaliação de qualidade”, disse o presidente da Anatel.
Defasagem
Christopher Torto, presidente da Ascenty, destacou, em entrevista ao inova.jor, a necessidade de mudança. Para ele, os indicadores estão defasados em relação à necessidade dos usuários.
“As operadoras gastam milhões só para atender exigências da Anatel. Tem de haver uma regulamentação básica, claro, para proteger o consumidor, mas ainda estamos falando de orelhões. Quando foi a última vez que se viu alguém usando um orelhão na rua?”, questionou.
A necessidade de investimentos e manutenção de telefones públicos é apenas um dos vários argumentos do setor sobre a necessidade de revisão das exigências regulatórias.
Aluizio Byrro, presidente do conselho consultivo da Nokia no Brasil, acredita que os indicadores atuais têm pouco impacto na vida dos clientes, o que os torna incompatíveis com as necessidades dos usuários.
A frustração dos usuários de telecomunicações do Brasil aparece nas estatísticas da própria Anatel. Até maio deste ano, 1,7 milhão de reclamações haviam sido registradas pela agência.
“Deveríamos nos concentrar naqueles indicadores que realmente são importantes para o cliente final, no lugar de ter de atender essa quantidade enorme de regras. É importante que o cliente realmente perceba a qualidade da rede”, argumenta Byrro.
Novas aplicações, como a internet das coisas, tornam ainda mais evidente a necessidade de atualização regulatória.
Francisco Valim, presidente da Nextel Brasil, destacou que, levando-se em conta esse cenário de máquinas conectadas e os atuais indicadores de qualidade, a internet das coisas pode se tornar inviável no Brasil.
“O problema da qualidade do serviço é que efetivamente temos um retorno baixo do capital investido. Em termos de internet das coisas, a regulação atual é totalmente inviável. Ninguém vai querer pagar uma taxa de R$ 30 por mês só para a geladeira avisar que está sem leite”, afirmou Valim.
Competição
A revisão dos indicadores de qualidade melhoraria até a capacidade de as operadoras de telecomunicações fazerem frente a empresas que prestam serviço via internet (OTTs, na sigla em inglês).
“Gastamos muito dinheiro para atender indicadores sem ganhar multa. Os serviços no Brasil seriam mais baratos se questões como essas fossem mais simples. As OTTs podem ter ideias e depois resolver eventuais problemas, porque não são tão reguladas. Nós não podemos fazer isso”, disse Gustavo Gachineiro, vice-presidente de assuntos corporativos da Telefônica Vivo.
Os indicadores são tão detalhados que deixam pouco espaço para a inovação. Segundo executivos do setor, as exigências não encontram paralelo nem na regulação de outros serviços essenciais, como saúde, educação, água e energia.
A revisão de indicadores permitiria oferecer pacotes de serviços mais adequados. Divino Sebastião de Souza, vice-presidente de Operações do Grupo Algar, defendeu a necessidade de indicadores diferentes para perfis diversos de clientes.
“É difícil num País dessa dimensão, com mais de 200 milhões de celulares, fazer um regulamento que sirva para todos os chips. Quando uma empresa oferece o atendimento padrão, é claro que vai nivelar por baixo, o que é ruim para todo mundo”, disse o executivo.
Especialista em direito em telecomunicações, a advogada Ana Claudia Beppu espera que haja em breve uma mudança na medição.
“Acredito que, com a mudança da lei, os indicadores também serão revistos. Essa é uma reclamação antiga do setor. É importante que a Anatel estabeleça medidas para ver se o consumidor está realmente satisfeito e acredito que ela fará isso”, disse.
A expectativa é de que o projeto de revisão da Lei Geral de Telecomunicações seja votado no próximo ano.
- Esta é a quarta de uma série de cinco reportagens sobre telecomunicações e inovação, publicadas às quintas-feiras pelo inova.jor. As opiniões expressas nas reportagens não refletem necessariamente a posição da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp).