Difícil lembrar de algum setor, além das telecomunicações, em que demanda crescente é considerada problema. O tráfego de internet têm avançado rapidamente e a solução encontrada pelas principais empresas do setor foi limitar o uso da banda larga fixa.
Na semana passada, a Vivo anunciou franquias de dados, parecidas com as que existem nos serviços móveis, para os acessos fixos. Os contratos da Net e da Oi já incluem esses limites há algum tempo, apesar de, pelo menos até agora, as empresas não fazerem nada com quem ultrapassa os limites.
Essas franquias de dados têm tudo a ver com a expansão do vídeo via internet. Na América Latina, o vídeo responde por dois terços do tráfego residencial.
Um estudo da Cisco mostrou que, em 2014, o tráfego de vídeo residencial mensal chegou a 2 exabytes (2 bilhões de gigabytes) na região, num tráfego total mensal de 3 exabytes. A previsão é que esse tráfego de vídeo seja multiplicado por quatro até 2019.
Operadoras de outros países também impõe franquia de dados na banda larga fixa. A AT&T, por exemplo, oferece nos Estados Unidos um limite de 300 gigabytes (GB) para quem tem acessos com velocidade de até 6 megabits por segundo (Mbps) e de 600 GB para quem tem velocidades de 12 Mbps a 75 Mbps.
Acontece que, no Brasil, as franquias são bem mais baixas. A Vivo definiu um limite de 10 GB para quem tem acesso até 2 Mbps e de 130 GB para o pacote de velocidade de 25 Mbps.
Consumo de dados
Mas, na prática, essas franquias equivalem a quanto? Segundo a Netflix:
- Uma hora de vídeo em definição padrão (igual à da TV analógica) consome 0,7 GB;
- Uma hora de vídeo em alta definição (HD) consome até 3 GB;
- Uma hora de vídeo em Ultra HD (também conhecida por 4K) consome 7 GB.
Quem tem um pacote 25 Mbps da Vivo poderia ver 43 horas de filmes em HD por mês. Ou seja, não conseguiria ver um longa-metragem por dia.
O problema é que o 4K vai se tornar, nos próximos anos, cada vez mais comum. As séries exclusivas da Netflix já são produzidas em 4K. Nesse caso, com uma franquia de 130 GB, daria para ver pouco mais de meia hora por dia.
A Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) suspendeu a redução da velocidade do acesso depois do fim da franquia enquanto as operadoras não cumprirem certas exigências.
As exigências, porém, dizem respeito somente a mecanismos de informação ao consumidor. Não tratam do tamanho das franquias, e nem questionam a própria existência delas.
Cortadores de cabos
Em 2014, a Sandvine publicou um estudo sobre o consumo de dados nos Estados Unidos:
O assinante típico gastava 29 GB por mês, sendo 13 GB em entretenimento em tempo real, como o Netflix. O “cord cutter”, no entanto, usava em média 212 GB.
“Cord cutter” é o consumidor que decidiu deixar de assinar TV paga para consumir somente vídeo via internet. É um perfil cada vez mais comum nos EUA, principalmente depois da crise de 2008, e que começa a ganhar espaço por aqui também. 2015 foi o primeiro ano em que a TV por assinatura brasileira perdeu assinantes.
Quando a Sandvine fez o estudo acima, o 4K estava somente começando nos EUA. O número atual deve ser maior que esses 212 GB.
Quando as operadoras de telecomunicações impõem franquias de dados, elas assumem que suas redes não estão preparadas para o crescimento do vídeo via internet, e penalizam os consumidores por causa disso.
Como elas também têm serviços de TV paga, existe um motivo adicional para quererem limitar o vídeo via internet, o que deveria chamar a atenção das autoridades de defesa da concorrência.
Algumas empresas, com a TIM e a Copel Telecom, já anunciaram que não vão aderir às franquias. O problema é que, em muitos lugares, as únicas opções disponíveis são Vivo, Net e/ou Oi.